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As áreas de proteção ambiental estão cumprindo seu papel de preservar a biodiversidade?

Preservar a biodiversidade é uma preocupação constante para vários cientistas e não cientistas. Por conta disso, existem diversos projetos, trabalhos e leis sobre o tema, além do esforço de diferentes profissionais para a conscientização da importância de se preservar habitats, animais, plantas, ecossistemas, etc. Atualmente, aproximadamente 14% do território terrestre são consideradas áreas de proteção ambiental, mas essas áreas realmente estão fazendo seu papel de proteger a biodiversidade do planeta? Qual o critério utilizado para escolher essas áreas? Essas perguntas foram respondidas em um artigo encabeçado por uma cientista brasileira que atua na Universidade Federal de Goiás e na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (juntamente com colegas de outras universidades nacionais e internacionais) e publicado na revista PNAS  no último mês.

O artigo, de autoria de Fernanda T. Brum e colaboradores, sugere áreas prioritárias para a conservação de mamíferos. A diferença desse artigo para os demais é que, para sugerir essas áreas, os pesquisadores se basearam em três dimensões de diversidade: taxonômica, funcional e filogenética.

Mas, o que significa cada tipo de diversidade e qual a sua importância para a conservação? A diversidade taxonômica é uma medida do número de espécies presentes numa área. É uma importante medida quantitativa, mas se utilizada sozinha, pode superestimar a biodiversidade de uma região. A diversidade funcional expressa o grau de diferenças funcionais entre espécies. Ela leva em consideração o papel dos organismos no ecossistema e o quanto esse papel é importante para a manutenção desse ecossistema, como por exemplo, o serviço de polinização feito pelas abelhas ou ainda, o serviço de fluxo de nutrientes exercido pela ictiofauna. Essas características funcionais podem ser morfológicas, fisiológicas, reprodutivas ou comportamentais. Por fim, a diversidade filogenética leva em conta a história evolutiva das espécies contidas em uma determinada área. Assim, a história evolutiva captura a singularidade das linhagens através do tempo e nos dá uma ideia do risco de extinção a que uma espécie está submetida.

Atualmente, há uma discordância entre diversos estudos que utilizam as três dimensões de diversidade para sugerir ou avaliar áreas de preservação ambiental. Alguns estudos mostram que há correlação entre as três dimensões de diversidade em algumas áreas protegidas, ao passo que outros mostram uma enorme falta de congruência geográfica em áreas de preservação, ou seja, algumas áreas são selecionadas baseando-se em um ou outro tipo de diversidade e, por isso, acabam não representando e nem protegendo a biodiversidade local de maneira adequada.

No artigo, Brum e colaboradores encontraram áreas importantes para a conservação de mamíferos baseadas nas três dimensões de diversidade. Segundo os autores, as áreas prioritárias baseadas em diversidade funcional e filogenética tiveram bastante sobreposição, enquanto que as áreas selecionadas baseadas em diversidade taxonômica foram esparsas. A figura abaixo mostra as áreas selecionadas levando em consideração cada uma das diversidades separadas e sobrepostas. Fica evidente que não existe muita sobreposição das áreas selecionadas pelos diferentes índices de diversidade (de fato, somente 4,6% das áreas foram sobrepostas). Isso evidencia a importância da escolha de áreas prioritárias para conservação baseada em mais de uma dimensão ecológica a fim de proteger a biodiversidade como um todo.

Figura 1 -teste

Figura 1: áreas de preservação ambiental sugeridas com base em três dimensões de diversidade: dimensão taxonômica (taxonomic dimension), dimensão filogenética (phylogenetic dimension) e dimensão funcional (trait dimension). O último mapa mostra áreas de sobreposição entre as múltiplas dimensões.

 

Segundo uma das autoras do trabalho, Ana D. Davidson, proteger diferentes dimensões de biodiversidade ajuda a garantir o potencial evolutivo das espécies para se adaptar em um mundo que muda rapidamente e, assim, resguardar a sua contribuição na natureza da qual todos dependemos. Dos 4,6% das áreas prioritárias que guardam as três dimensões de diversidade, apenas 1% estão protegidas atualmente. Os resultados do artigo de Brum e colaboradores concordam com outras pesquisas que afirmam que diversas áreas protegidas não possuem um alto valor para conservação. Na maioria das vezes, essas áreas são escolhidas por serem remotas ou de baixo valor econômico. Considerando que 14% de áreas terrestres são protegidas atualmente no mundo, Brum e colaboradores sugerem que as áreas prioritárias selecionadas para futura conservação poderiam corresponder aos 3,6% restantes que possuem concordância entre as três dimensões de diversidade (Figura 2). Dessa maneira, não só teríamos áreas de proteção mais eficientes, como também seria atingida a meta recomendada pelo Plano Estratégico para 2011-2020 proposto na 10º Convenção de Diversidade Biológica (17% do território terrestre como área protegida).

Figura 2-Fernanda brum

Figura 2: Mapa mostrando áreas de proteção ambiental existentes (verde), áreas com sobreposição das três dimensões de diversidade (marrom) e áreas com sobreposição das dimensões de diversidade atualmente protegidas (laranja). No artigo, os autores sugerem que as áreas em marrom sejam prioridade para conservação, pois guardariam as três dimensões de diversidade, sendo assim, mais eficientes.

Infelizmente, colocar o plano em ação não é tão fácil. Outros fatores devem ser levados em consideração antes de transformar as áreas identificadas no artigo em áreas de preservação, como custos, considerações políticas e sociais e fundos disponíveis para a compra de terras. Além disso, o trabalho de Brum e colaboradores identifica áreas prioritárias para a preservação de mamíferos, mas outros grupos de organismos também devem ser levados em consideração. Conservar a biodiversidade vai além da conservação de um ou outro grupo e é crucial para garantir a provisão dos serviços prestados pelo ecossistema e sua contribuição para o bem-estar humano.

Referências:

Fernanda T. Brum et al. (2017). Global priorities for conservation across multiple dimensions of mammalian diversity. PNAS, 144 (29): 7641-7646.

www.sciencedaily.com/releases/2017/07/170706121159.htm