
Aglomerados de galáxias: os gigantes do céu
Você já parou para pensar no que existe além do nosso céu noturno? Numa cidade grande só conseguimos ver algumas dezenas de estrelas devido à poluição luminosa. Mas se não tivéssemos esta limitação, veríamos milhões, bilhões e sextilhões de estrelas (1 seguido de 21 zeros!). Essas estrelas — que são objetos massivos e que possuem gravidade — se agrupam e formam “ilhas de estrelas” que chamamos de galáxias, que por sua vez também se agrupam e formam os aglomerados de galáxias. Os aglomerados são os maiores objetos ligados gravitacionalmente no Universo, portanto, são os nossos gigantes do céu. Além de estrelas e galáxias, eles são compostos por um gás extremamente quente (10 a 100 milhões de graus Celsius) em forma de plasma. Tudo isso é o que podemos ver ou detectar com algum instrumento. No entanto, a maior parte da massa dos aglomerados (~80%) é composta por algo que não podemos ver ou detectar diretamente: a matéria escura. Mas então, como é possível saber da existência de matéria escura nos aglomerados?
Pesando gigantes com as lentes gravitacionais
Existem diversas maneiras de se medir a massa, ou seja, “pesar” objetos astronômicos. Na década de 1930, o astrônomo suíço Fritz Zwicky estudando o movimento das galáxias nos aglomerados mostrou que a quantidade de massa devido à matéria visível não era suficiente para explicar a velocidade desses objetos. Daí ele criou o termo “matéria escura” para denominar essa componente dominante nas galáxias e aglomerados, que não emite luz e só pode ser detectada devido a sua ação gravitacional. Na década de 1970, a astrônoma americana Vera Rubin chegou à mesma conclusão ao estudar o movimento de estrelas e gás nas galáxias, confirmando em vários estudos subsequentes a existência da matéria escura. (Apesar da importância da descoberta, ela nunca foi cogitada a receber um prêmio Nobel … mas isso já foi papo de um outro artigo). Tanto Zwicky quanto Rubin usavam métodos que assumem aglomerados como objetos bem comportados e em equilíbrio dinâmico, o que muitas vezes, não é o caso. Uma maneira mais “limpa” (ou seja, sem tantas suposições) de se pesar aglomerados se dá pelo uso do efeito de lentes gravitacionais. Imagine você aqui na Terra observando por um telescópio. Distante, na sua linha de visão está um aglomerado, que é um objeto massivo e portanto possui um campo gravitacional bem forte. Atrás dele, numa distância bem maior, temos ainda mais galáxias. A luz dessas galáxias de fundo ao passar próximo ao aglomerado sofre um desvio devido ao seu campo gravitacional que atua como um “lente” (veja o esquema na figura abaixo). Por isso o nome “lente gravitacional”.

Como resultado você vai ver uma imagem distorcida dessas galáxias de fundo, como na figura abaixo, onde temos a lente gravitacional conhecida como “lente sorridente”. Fazendo medidas de quanto as formas das galáxias de fundo são distorcidas é possível estimar a massa do aglomerado que serviu de lente. Essa técnica também pode ser utilizada para medir a massa de galáxias e estrelas, pois esses objetos também servem como lentes. Assim, as lentes gravitacionais ocorrem em diferentes regimes (forte, fraco e micro) que dependem do tamanho e forma do objeto que serve de lente, sua distância até nós e até as galáxias de fundo, além do alinhamento em relação à nossa linha de visão.

(smiling lens). Créditos: NASA & ESA.
O desvio da luz e um pouco de história
O desvio da luz por um objeto massivo já havia sido especulado pelo físico inglês Isaac Newton, em 1704. Entretanto, apenas em 1801 foi publicado o primeiro artigo neste tópico, pelo físico alemão Johann von Soldner, onde ele calculou e previu que raios de luz passando próximos ao disco do Sol sofreriam um desvio de 0.84 segundo de arco. Como esse cálculo se baseava na teoria corpuscular da luz, que não estava tão em voga na época, esse artigo não ganhou muita repercussão.
Aproximadamente um século depois, em 1911, o físico alemão Albert Einstein refez os cálculos de Soldner e chegou ao mesmo valor para o ângulo de desvio dos raios de luz. Note que, nessa época ele ainda não tinha desenvolvido sua famosa Teoria da Relatividade Geral. Além do valor para o ângulo de desvio da luz, Einstein propôs que o esse ângulo poderia ser medido durante um eclipse solar. A primeira tentativa de fazer essa medição ocorreu no eclipse de 1912, na cidade de Cristina em Minas gerais, numa expedição argentina liderada pelo astrônomo americano Carlos Dillon Perrine. Mas devido ao mal tempo, não foi possível fazer a medição. No eclipse de 1914, na Rússia, houve uma segunda tentativa de medição do ângulo de desvio, mas os integrantes desta expedição foram detidos por causa da Primeira Guerra Mundial, que começou 20 dias antes do eclipse.
Em 1915, Einstein finalmente publicou sua teoria da Relatividade Geral, e ao aplicá-la para calcular o ângulo de desvio da luz, ele obteve um valor que era aproximadamente o dobro de sua previsão anterior sem a Relatividade Geral e também o dobro da previsão Newtoniana, ou seja, em sua nova previsão o ângulo de desvio deveria ser de 1.75 segundo de arco. Mais uma dessas histórias que demonstram que não só de trabalho duro vive um cientista, também tem que ter uma pitadinha de sorte. Se alguma das expedições anteriores em 1912 e 1914 tivessem conseguido medir o ângulo de desvio, a primeira previsão de Einstein estaria errada, pois como veremos a seguir, a sua segunda previsão com a Relatividade é a que se mostrou correta.
O eclipse que possibilitou a medição do ângulo de desvio da luz ocorreu 101 anos atrás, nos céus da África e do Brasil. É nesse momento que a história da Relatividade Geral de Einstein cruza com a história dos brasileiros.
O eclipse de Sobral
Em 29 de maio de 1919, na Ilha do Príncipe na costa africana e em Sobral no Ceará, duas expedições científicas observaram um eclipse solar total para testar a previsão da Relatividade Geral de que o desvio da luz teria o dobro do valor previsto pela teoria de Newton. A expedição em Sobral foi liderada pelo astrônomo irlandês Andrew Crommelin. A ideia era fotografar (com placas fotográficas) as estrelas posicionadas próximas ao Sol durante o eclipse. Depois, em julho, eles voltariam a fotografar essas estrelas na mesma região, mas sem o Sol para atrapalhar. Finalmente, comparando as posições das estrelas com e sem o campo gravitacional do Sol, foi possível determinar que o desvio sofrido era igual ao previsto pela teoria de Einstein. Historiadores afirmam que as placas tiradas em Sobral (veja a figura abaixo) eram as de melhor qualidade, portanto, decisivas para esta comprovação, o estabelecimento de um novo campo de pesquisa (lentes gravitacionais) e orgulho geral da nação!

O ângulo de desvio medido no eclipse de 1919 em Sobral foi a primeira e mais famosa prova experimental da validade da Teoria da Relatividade Geral de Einstein. Essa comprovação também marcou o início de um campo de pesquisa totalmente novo baseado nos efeitos do desvio da luz por corpos celestes, e que hoje conhecemos como lentes gravitacionais. O fenômeno de lenteamento gravitacional ocorre em diferentes regimes, e não produz apenas imagens bonitas (como anéis e cruz de Einstein, ou arcos gravitacionais) mas também pode ser usado em diversos estudos de Astrofísica e Cosmologia para entender a evolução do nosso Universo. Mas isso é tópico para um próximo post!