Estudo revisa literatura sobre o tema, apontando características importantes para a identificação e manejo efetivos de risco de suicídio.
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O suicídio é considerado um problema global e, a cada ano, pesquisadores estudam maneiras de entender melhor as condições que podem levar à morte por suicídio. Pensando em como entender melhor e manejar o risco de suicídio, os pesquisadores Tiago Zortea e seus colaboradores, da Universidade de Glasgow, publicaram um estudo de revisão sobre risco de suicídio e comportamentos autolesivos, isto é, qualquer ato de autoenvenenamento ou automutilação independentemente do motivo aparente para tais comportamentos.
A escolha por estudar também comportamentos autolesivos ocorreu porque a literatura indica que há uma relação entre comportamentos autolesivos e suicídio. Estimativas mostram que mais de 800.000 pessoas morrem todos os anos por suicídio no mundo todo. Além disso, comportamentos de autolesão não suicidas são 20 vezes mais frequentes que o número de mortes contabilizadas por suicídio.
Um dos modelos utilizados para estudar suicídio é o modelo de iceberg, no qual existem três níveis: a ponta do iceberg consiste no número de mortes contabilizadas por suicídio. A camada abaixo é composta por comportamentos autolesivos onde o indivíduo em questão é hospitalizado. Por fim, a camada mais profunda deste iceberg é composta por comportamentos de autolesão realizados em casa e outros locais privados, porém sem levar a hospitalização, sendo, muitas vezes, feito de maneira privada e em segredo (só a própria pessoa sabe).
Alguns fatores especialmente importantes para profissionais da saúde se atentarem são a maior probabilidade de uma pessoa que já foi internada por tentativa de suicídio realizar uma nova tentativa ou morrer por suicídio em até cinco anos após a internação. Além disso, existem evidências de que hospitalização por comportamentos autolesivos é fortemente associada com morte por suicídio (esse risco é 30 vezes maior que o risco de morte por suicídio para a população geral). De acordo com os autores, se engajar em comportamentos autolesivos, com ou sem intenções suicidas, é o preditor mais consistente de morte por suicídio. Isso mostra a importância de se atentar para esse tipo de comportamento, mesmo que emitido sem uma intenção suicida aparente.
Embora existam evidências de que em torno de 90% das pessoas que morrem por suicídio tenham um transtorno psiquiátrico diagnosticável (isto é, poderiam ser encaixadas em um diagnóstico psiquiátrico), a grande maioria das pessoas com diagnóstico psiquiátrico não morrerão por suicídio, o que impossibilita que o diagnóstico psiquiátrico possa ser considerado um marcador de risco. Levando em consideração a dificuldade de encontrar tais marcadores de risco, e com a preocupação de descobrir quais fatores podem determinar a transição de pensamentos suicidas para uma tentativa de suicídio, alguns modelos foram desenvolvidos para auxiliar profissionais da saúde na identificação e manejo do risco de suicídio.
Apesar de possuírem diferenças entre esses modelos, os pesquisadores salientam alguns aspectos destes que são importantes para profissionais e indivíduos que buscam identificar e manejar o risco de suicídio. Em primeiro lugar, uma tentativa de suicídio é um preditor importante de uma nova tentativa. Exposição ao comportamento suicida de outros também parece incorrer em risco. Nesse sentido, estudos têm mostrado que esses fatores (chamados de fatores volitivos) parecem diferenciar quem têm pensamentos suicidas de quem de fato age sobre esses pensamentos.
Existem também instrumentos desenvolvidos para avaliar risco de suicídio em indivíduos, embora, de acordo com os autores, a evidência para o uso dessas escalas seja fraca. Muitas delas geram muitos resultados falso-positivos. Assim, o uso delas como única avaliação de risco de suicídio não é recomendado. Nesse sentido, é importante desenvolver outras maneiras de analisar esse tipo de risco. Um tipo de avaliação que tem sido relacionado com menor tentativa e repetição de comportamentos autolesivos foi o uso de avaliações psicossociais.
As três características comuns que os autores observaram em diferentes tipos de avaliações psicossociais são: uma avaliação clínica, uma resposta à crise individualizada e um plano de segurança, e por fim, o contato de acompanhamento (follow-up). De acordo com a recomendação de órgãos como a Organização Mundial da Saúde, a avaliação clínica não deve se basear no uso dos instrumentos de avaliação de risco previamente mencionados, e sim em uma entrevista interessada, estabelecendo uma relação de confiança e de apoio com o paciente. Estudos mostram que essas características são cruciais para uma avaliação efetiva. Na entrevista, deve-se perguntar diretamente ao paciente as características da ideação suicida (e.g., frequência de pensamentos, plano de suicídio e preparação para tal), além de perguntar sobre eventos da vida do paciente que possam ser estressantes. É importante contextualizar os eventos e os sentimentos e pensamentos dos pacientes (por exemplo, um indivíduo pode analisar um evento estressante, como ser pedida em casamento, como algo ruim, enquanto outra pode considerar bom ou até demonstrar sentimentos ambíguos). É preciso também ficar atento sobre o uso da internet (e.g., más práticas como a maneira pela qual suicídios são reportados na mídia podem servir de gatilhos para o paciente). Esse cuidado não deve ser no sentido necessariamente proibitivo; o ideal é combinar com o paciente as melhores maneiras de utilizar a internet (se ele quiser utilizá-la).
Também é importante identificar possíveis barreiras para que o paciente fale sobre pensamentos suicidas com pessoas próximas, uma vez que a literatura mostra que 60% das pessoas que morrem por suicídio não expressam ideação. Por fim, é importante também debater as estratégias de manejo (coping) dos pacientes, avaliando estratégias adaptativas e mal-adaptativas que podem reduzir ou não o risco de suicídio. Em resumo, deve-se analisar os pontos fortes e vulnerabilidades para o risco de comportamentos suicidas e avaliar fatores de risco e de proteção, de modo a desenvolver um plano conjunto com o paciente.
Com relação ao plano de segurança e a resposta à crise individualizada, é importante auxiliar o paciente a identificar variáveis que possam funcionar como gatilhos e sinais de alerta e desenvolver estratégias que reduzam eventos estressantes que possam levar a uma crise (também é importante desenvolver estratégias de coping para eventos não relacionados ao suicídio). O plano de segurança deve ter medidas de segurança, ou seja, a eliminação ou redução de meios que possam ser utilizados para o suicídio. Uma sugestão é ter esse plano por escrito e deixar uma cópia com o paciente e outra com a equipe de saúde. O contato de acompanhamento é imperativo, já que pessoas que já se engajaram em tentativas de suicídio possuem risco aumentado de tentar novamente, como mencionado no início do texto. Desse modo, é importante fazer, pelo menos, duas ligações de telefone para acompanhar o paciente depois que ele tiver alta, monitorando o risco de suicídio, revisando e discutindo com o indivíduo a experiência com o plano desenvolvido, sendo sensível e apontando os sucessos deste, mas também se atentando para as dificuldades e mudando o plano, se necessário.
Quer saber mais?
O estudo: Zortea, T. C., Cleare, S., Melson, A. J., Wetherall, K., & O’Connor, R. O. (2020). Understanding and managing suicide risk. British Medical Bulletin, 1-12. Online First Publication. https://doi.org/10.1093/bmb/ldaa013