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Antarctomyces pellizariae: o futuro da biotecnologia pode estar na Antártica

Já ouviu falar em criosfera? Não? Bem, certamente você já ouviu falar sobre gelo e neve. Criosfera nada mais é do que o conjunto formado por toda a água em estado sólido existente no planeta e inclui icebergs, geleiras, permafrost, calotas de gelo, entre outras formações.

A Antártica, sendo o principal regulador térmico do planeta, é estudada por pesquisadores de todo o mundo. Aqui no Brasil, temos o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera (INCT da Criosfera), que abriga pesquisadores de diversas instituições brasileiras, formando uma rede multidisciplinar de estudos. Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) integra a equipe e trabalha com a bioprospecção de fungos em ecossistemas antárticos. O trabalho de bioprospecção realizado pela equipe tem como finalidade conhecer a diversidade microbiana antártica e buscar metabólitos de interesse biotecnológico. Foi durante uma visita à Antártica ao final de 2015, que Luiz Henrique Rosa e sua equipe isolaram um fungo filamentoso que apresentou uma coloração azul bastante intensa. Essa coloração chamou a atenção dos pesquisadores, que decidiram por estudar melhor esse fungo a fim de determinar suas características e descobrir a qual espécie pertencia.

Neste estudo, foram coletadas amostras de neve da camada superior do solo na península Coppermine (62°37’941”S; 59°70’400”W), localizada na ilha Robert, no arquipélago de Shetlands do Sul (figura 1). A neve coletada foi derretida e então filtrada, passo necessário para a retenção dos micro-organismos de interesse. Feito isso, as amostras foram colocadas em meio de cultura e incubadas para que os micro-organismos presentes pudessem crescer. Foi assim que os pesquisadores perceberam o fungo de coloração azul, que foi então isolado para ser estudado em detalhes.

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Figura 1 – Mapa da localização da Península Coppermine, Ilha Robert, Arquipélago Ilhas Shetland do Sul (Fonte: Australian Antarctic Data Centre).

Para a identificação de um fungo, uma série de procedimentos deve ser realizada. Tanto suas características físicas como o seu DNA foram analisados e estudados. Com os resultados em mãos, os pesquisadores chegaram à conclusão de que a espécie que haviam isolado fazia parte do gênero Antarctomyces sp., e que se tratava de uma nova espécie, batizada de A. pellizariae (figura 2). O gênero só é encontrado na Antártica e por isso recebeu o nome “Antarctomyces”. Já “pellizariae” é uma homenagem à Dra. Vivian Helena Pellizari, pesquisadora e professora do Instituto Oceanográfico da USP. Ela foi a responsável, na década de 1990, por estabelecer a microbiologia polar no Brasil, tornando-se inspiração para outros microbiologistas seguirem seu caminho.

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Figura 2 – Antarctomyces pellizariae em placa de Petri com meio Sabouraud, após 14 dias de crescimento a 10 ± 2°C (Fonte: Material suplementar do artigo publicado).

Além da coloração bastante distinta, A. pellizariae cresce melhor a temperaturas mais baixas (de 4 a 15 ± 2°C), o que o classifica como um fungo psicrófilo. Micro-organismos psicrófilos são aqueles capazes de crescer e se reproduzir em baixas temperaturas. A temperatura ótima de crescimento é de 15°C ou menos e a temperatura mínima de -20°C. Estes seres possuem biomoléculas capazes de manter sua forma e função a baixas temperaturas, além de produzir substâncias anticongelantes capazes de protegê-los do frio excessivo, permitindo o funcionamento normal de suas células. Acredita-se que o pigmento azulado também confira proteção contra radiação, característica importante quando seu hábitat é a Antártica.

 As pesquisas de bioprospecção são de extrema importância, pois conhecemos muito pouco sobre a biodiversidade microbiana existente no planeta. Os estudos na Antártica se tornam ainda mais importantes pelas condições extremas de seu ecossistema, que atua selecionando organismos capazes de suportar tais condições. São essas características que tornam o continente um local ideal para o isolamento e descrição de novas espécies fúngicas. Ele é também um dos locais onde os efeitos da mudança climática são sentidos com maior intensidade. Conhecer melhor suas espécies endêmicas pode ajudar a compreender melhor o impacto dessas mudanças na biota antártica.

Além de A. pellizariae, os demais fungos isolados também serão descritos e analisados quanto a seu genoma e presença de compostos de interesse biotecnológico de baixo custo. Dentre as possibilidades, estão substâncias que atuam como anticongelantes e que podem ser utilizadas para a conservação de alimentos e órgãos para transplante, proteção de equipamentos eletrônicos, sensores, inibição de corrosão e conservação de combustíveis. O pigmento azul, bem como outros tipos de pigmentos, pode ter função na indústria alimentícia, atuando como corante. Caso tenha a função de proteção contra radiação, pode ser utilizado na indústria farmacêutica, em produtos de fotoproteção.

Essa descoberta faz parte do trabalho de doutorado da pesquisadora Graciéle Menezes, aluna do Programa de Pós-Graduação em Microbiologia da UFMG, sob orientação do pesquisador Luiz Henrique Rosa.

Para saber mais:

Sobre as pesquisas brasileiras na Antártica

INCT da Criosfera http://www.ufrgs.br/inctcriosfera/index.html

PROANTAR https://www.mar.mil.br/secirm/portugues/proantar.html

Sobre o grupo de pesquisa da UFMG

http://labs.icb.ufmg.br/leblev/index.html

Sobre análise de genoma na micologia

http://www.biotecnologia.com.br/revista/bio14/pcrnamicologia.pdf

Sobre pesquisas e dados históricos da Antártica

https://data.aad.gov.au/