O que você sabe sobre obesidade infantil?

A obesidade infantil tem se tornado uma preocupação nas últimas décadas em função das consequências danosas para a saúde de crianças e jovens. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a obesidade e o sobrepeso teriam atingido proporções epidêmicas, pois hoje temos quase três vezes mais pessoas obesas do que em 1975. No caso de crianças e adolescentes, esse quantitativo já seria quase cinco vezes maior, demonstrando que o público infantojuvenil está mais afetado pela obesidade do que pessoas adultas. A região das Américas tem as taxas mais altas de todo o mundo, sendo importante, portanto, olhar com mais atenção para esse fenômeno em nosso país. 

Fonte: Ministério da Saúde

Nesse sentido, a tese de doutorado da Sabrina Gabriele Maia Oliveira Rocha, defendida em 2020, na Universidade Federal do Ceará, merece ser divulgada exatamente por abordar essa questão no campo da saúde coletiva. Com o título, 30 anos do perfil nutricional de crianças no semiárido brasileiro: transição nutricional e determinantes da obesidade infantil, a pesquisadora investigou o perfil nutricional de crianças do Ceará ao longo de três décadas, buscando compreender como a obesidade, se apresentou nesse período de tempo. Os anos de 1987, 1990, 1994, 2001, 2007 e 2017 foram analisados, pesquisando mais de duas mil crianças de dois a seis anos. São escassos os estudos sobre obesidade infantil, especialmente com crianças em idade pré-escolar, razão pela qual essa investigação ganha destaque.

Um dos pontos principais é que as consequências para a saúde em relação ao excesso de peso não são idênticas em adultos e crianças. O sobrepeso e/ou obesidade na infância e na adolescência apresentam um maior  risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares do que quando o excesso de peso é desenvolvido na idade adulta. Outras comorbidades relacionadas à obesidade infantil, são problemas renais, ortopédicos, neurológicos e psicossociais.

Para realizar essa pesquisa, a autora utilizou os dados primários sobre saúde materno-infantil do Ceará que foram coletados nos anos acima mencionados. Considerando a falta de informações sobre mortalidade infantil, na década de 1980, o governo do Estado, em parceria com o UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), iniciou a coleta periódica de dados para diagnosticar a situação sobre saúde e nutrição no Ceará. Tais levantamentos foram feitos pela Secretaria Estadual de Saúde que conseguiu compilar diversas informações sobre o tema. Hoje se entende a obesidade infantil como um acontecimento que envolve fatores ambientais, socioeconômicos e nutricionais, conforme o modelo abaixo.

Modelo teórico conceitual hierarquizado dos fatores de risco para obesidade infantil. 

Fonte: Tese de Doutorado de Sabrina

Há a compreensão de que os fatores alimentares e biológicos têm uma influência mais direta no desenvolvimento da obesidade infantil, sendo que o ambiente familiar, os fatores perinatais e os fatores socioeconômicos exerceriam uma influência mais indireta no fenômeno.

Em relação aos fatores socioeconômicos, sabe-se que famílias com uma menor renda, integrantes de estratos sociais mais baixos e participantes de programas de transferência de renda constituíram-se como fatores associados a um menor risco de obesidade infantil. Além disso, trata-se de uma população que pode ter menos acesso a tipos específicos de alimentos, como alimentos ultraprocessados, bebidas com adição de açúcares e práticas alimentares ruins. Outro aspecto que deve ser ressaltado se refere ao fato de que crianças que frequentam creches têm uma menor prevalência de obesidade, já que as refeições fornecidas nesses espaços são elaboradas por nutricionistas.

É importante contextualizar que, no Brasil, tivemos um período de transição nutricional ocorrido entre as décadas de 1970 e 1990. Significa dizer que antes teríamos uma situação de desnutrição infantil que foi reduzida, ao mesmo tempo em que se verificou um aumento do sobrepeso e da obesidade em adultos.

No que se refere aos fatores ambientais, famílias numerosas podem indicar a desorganização do ambiente doméstico, incorrendo em piores práticas alimentares. Desse modo, intervenções que reduzam a carga do ambiente das famílias com várias crianças podem ter efeitos significativos, melhorando os resultados nutricionais. 

Dentre os fatores perinatais, a obesidade materna foi identificada como elemento que tem relação direta com a obesidade infantil, não pela mediação das práticas alimentares, mas sim pela questão genética, tornando-as mais suscetíveis ao desenvolvimento de sobrepeso e/ou obesidade. 

Nos aspectos biológicos, o peso do bebê, ao nascer, acima de quatro quilos permaneceu como importante fator de risco para o desenvolvimento de excesso de peso na infância. Igualmente, uma má educação alimentar mantém-se como fator relevante para o desenvolvimento de obesidade e sobrepeso, realidade identificada nessa pesquisa de doutorado. A questão do desmame precoce se coloca como importante, tendo em vista que a amamentação foi identificada como fator de proteção contra essas morbidades. O consumo de vegetais, juntamente com a prática de atividades físicas e com o estilo alimentar dos pais, evidenciou menores índices de obesidade infantil.

Fonte: Universidade Federal de São Paulo

Nesse sentido, estudos que considerem a realização de atividades físicas, educação nutricional, incentivo ao consumo de frutas e verduras apresentaram efeitos positivos na redução de sobrepeso e obesidade em crianças em idade escolar. Interessante destacar que houve uma diferença na resposta entre meninos e meninas, já que elas apresentaram melhor resposta com intervenções comportamentais, enquanto que eles responderam melhor com intervenções de ordem estrutural. Podemos entender intervenções comportamentais como, por exemplo, ações que envolvem orientação, melhorando o nível de informações que as crianças têm sobre alimentação. Já as intervenções estruturais são aquelas que atuam diretamente nos fatores que influenciam o que se deseja alterar. Sendo a obesidade infantil, ações que incluam a prática de exercícios físicos e/ou o consumo de alimentos saudáveis seriam exemplos de intervenções de ordem estrutural.  

A pesquisa da Sabrina identificou que apenas fatores socioeconômicos não são suficientes para explicar a crescente obesidade infantil. Esses fatores foram bastante significantes em 1987, entretanto, vinte anos depois, os determinantes dessa morbidade tiveram mudanças consideráveis. Ficou evidenciada a importância de mudanças no ambiente familiar e nas condutas nutricionais das crianças.

Conforme já citado, o estado nutricional das crianças brasileiras tem revelado modificações, demonstrando o contexto de transição epidemiológica da desnutrição para obesidade infantil. Essa pesquisa identificou que houve uma inversão das prevalências de desnutrição e obesidade infantis entre os anos de 1994 e 2001, no estado do Ceará. Isso porque, nesse período, o número de crianças pré-escolares com desnutrição caiu 42%, sendo que o de sobrepeso cresceu quase 100% e a obesidade infantil aumentou mais de 300%.

Com esses dados, por mais que não possam ser generalizáveis para outras realidades, é possível concluir sobre a importância de formular políticas públicas que incluam a nutrição como eixo estruturante no campo da infância e juventude. Alimentação é uma questão de saúde coletiva e não deve ser negligenciada. 

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