Fósseis brasileiros que vão afetar seu entendimento sobre o Brasil!

O ano de 2019 tem sido um bom ano para a paleontologia de vertebrados no país. Neste ano, uma série de novos fósseis foram encontrados, nos clarificando sobre regiões ainda pouco conhecidas em termos de conteúdo fossilífero. Uma dessas regiões é o centro-oeste brasileiro. No estado de Goiás, por exemplo, recentemente foram descritos diversos elementos ósseos de  dinossauros, tartarugas e crocodiliformes pela equipe do Laboratório de Paleontologia e Evolução da Universidade Federal de Goiás (UFG). Ainda que bastante incompletos, os fósseis foram descobertos nas cidades de Quirinópolis e de Rio Verde, em afloramentos com cerca de 80 milhões de anos, sendo os primeiros registros de vertebrados fósseis para o estado. Entre os fósseis encontrados pelo grupo estão um dente (figura 1), fragmentos de costela e um rádio incompleto atribuídos a um titanossauro, um tipo de dinossauro muito comum no país (veja aqui). 

Slide2

Fig. 1. Dente de um titanossauro encontrado em Goiás. Imagem modificada de Hechenleitner et al. (2015) e Candeiro et al., 2018. 

Falando em titanossauros, no estado de Mato Grosso existem registros destes animais desde o século passado. O registro mais antigo foi feito pelo naturalista alemão Friedrich von Huene, em 1931. Esses fósseis foram coletados na região de Pedra Grande, próximo ao município de Chapada dos Guimarães, mas nunca foram revisados devido a natureza fragmentária dos mesmos. Passou-se quase meio século para que outros fragmentos ósseos vindos do Mato Grosso fossem taxonomicamente identificados por Franco-Rosas e pesquisadores (2004), que descreveram cinco ossos isolados (quatro vértebras fragmentadas e uma tíbia incompleta) coletados em uma região conhecida como Morro do Cambambe (Figura 2). Esse afloramento é o mais conhecido do estado de Mato Grosso, e os espécimes coletados por Franco-Rosas e colegas (2004) foram os primeiros ossos a serem atribuídos a uma categoria taxonômica mais refinada (na época, foram atribuídos a Gondwanatitan, um gênero antes conhecido apenas no estado de São Paulo). Além disso, o trabalho de Franco-Rosas e colaboradores foi importante pois graças a esses elementos foi possível detectar um novo clado, chamado Aeolosaurini. Diversos outros elementos ósseos de dinossauros foram coletados no Morro do Cambambe anos mais tarde, porém, todos bastante fragmentados e com afinidades taxonômicas incertas. 

cientistas feministas imagens

Fig. 2. Mapa mostrando as localidades (representadas pelas estrelas) onde foram descobertos os fósseis dessa coluna. A estrela em amarelo mostra a região conhecida como “Morro do Cambambe”, a estrela azul, os municípios de Quirinópolis e de Rio Verde. Por último, a estrela vermelha representa o município de Cruzeiro do Oeste. 

 

O último trabalho envolvendo descobertas no Morro do Cambambe foi recentemente descrito por Bandeira et al. (2019), onde cerca de catorze ossos – entre costelas, vértebras do pescoço (Figura 3) dorso e cauda, arcos hemais, e até mesmo um fêmur! – foram descritos. Estes últimos foram coletados em diferentes pontos no Morro do Cambambe, o que indica que pertencem a mais de um indivíduo, além de apresentarem pelo menos dois tamanhos corporais distintos. Apesar de não poderem ter sido identificados em nível de gênero ou espécie, são os espécimes mais bem preservados para o Mato Grosso até então, além de apresentar grande similaridade morfológica com titanossauros achados em Minas Gerais e São Paulo – sugerindo que esses dinossauros se distribuíam por uma grande área do Brasil. Estas recentes contribuições científicas estimulam a prospecção por exemplares mais completos no futuro. O aumento das descobertas de ossos de dinossauros mostra o potencial fossilífero do Centro-Oeste no Brasil, assim como o Grupo Bauru é hoje considerado uma das mais importantes unidades geológicas cretácicas do Brasil.

Slide1

Fig. 3. Alguns dos fósseis encontrados na região do Morro do Cambambe, Mato Grosso. O achado corresponde a vários elementos distintos do corpo de um titanossauro, e são os mais bem preservados encontrados para a região. Os achados indicam um grande potencial para a descrição de novas espécies futuramente. Aparência em vida de um titanossauro por Raúl Martín, imagens dos fósseis retiradas de Bandeira et al., 2019. 

  No sul do País, o município de Cruzeiro do Oeste era, há cerca de 90 milhões de anos, um deserto com algumas lagunas. Essa região trouxe recentemente duas surpresas para a ciência: uma nova espécie de dinossauro chamado Vespersaurus paranaensis e uma nova espécie de pterossauro, o Keresdrakon vilsoni. A região já era conhecida antes pela descoberta do lagarto Gueragama sulamericana e de inúmeros indivíduos do pterossauro Caiuajara debruskii. Os indivíduos do Caiuajara eram tão abundantes (chegando a centenas) e tão bem preservados que o local foi considerado um verdadeiro ‘cemitério dos pterossauros’, pelos pesquisadores.

O Vespersaurus é um gênero de dinossauro terópode do grupo dos Noasauridae (um grupo de pequenos animais carnívoros, com pescoço alongado e corpo esguio). Trata-se do primeiro dinossauro a ser descoberto na região e se caracteriza por sua anatomia distinta, especialmente do pé. Ao contrário de todos os demais dinossauros, funcionalmente o pé era monodáctilo, ou seja, o singular terceiro dígito teria suportado a maior parte do peso do animal enquanto caminhava! Já o Keresdrakon se diferencia dos demais pterossauros por uma crista na extremidade posterior do dentário. Além disso, o Keresdrakon foi submetido a análises histológicas, e todos os indivíduos encontrados dessa espécie representam sub-adultos. Interessantemente, a presença do Keresdrakon e do Caiuajara encontrados associados nas mesmas camadas de rocha indicam ser a primeira evidência direta de simpatria entre os pterossauros. Essas descobertas proporcionam um raro vislumbre de uma comunidade paleobiológica durante o Cretáceo no Paraná (Figura 4), além dos novos achados deve catapultar as pesquisas paleontológicas na região, que possui comprovado potencial para coleta de fósseis.

Kellner et al Fig17a

Figura 4. A comunidade paleobiológica de Cruzeiro do Oeste: em primeiro plano, um Keresdrakon (maior) voa enquanto um bando de Caiuajara ataca o possível predadador. Ao fundo, um Keresdrakon filhote acaba de abater um desavisado Gueraguama enquanto um Keresdrakon adulto se alimenta da carcaça de um Vespersaurus. Ao fundo, um grupo de Vespersaurus caça alguns Caiuajara desavisados. (imagem: Maurílio Oliveira). 

 

Referências

Candeiro, C. R. A., Brusatte, S. L., Simbras, F. M., Pereira, C., Sousa-Júnior, A. L., Cavalcanti, R., … Oliveira, G. R. (2018). New reports of Late Cretaceous reptiles from the Bauru Group of southern Goiás State, Brazil. Journal of South American Earth Sciences, 85, 229–235. doi:10.1016/j.jsames.2018.04.019

Bandeira, K.L.N., Machado, E.B., Campos, D.A., Kellner, A.W.A. 2019. New Titanosaur (Sauropoda, Dinosauria) records from the Morro do Cambambe Unit (Upper Cretaceous), Mato Grosso State, Brazil, Cretaceous Research, https://doi.org/10.1016/j.cretres.2019.06.001.

Post no instagram sobre os achados no Morro do Cambambe, no Mato Grosso: https://www.picdeer.co/media/2065319774581427302_6830189543

Langer, M.C., Martins, N.O., Manzig, P.C., Ferreira. G.S., Marsola, J.C.A., Fortes, E., Lima, R., Sant’ana, L.C.S., Vidal, L.S., Lorençato, R.H.S., & Ezcurra, M.D. (2019) A new desert-dwelling dinosaur (Theropoda, Noasaurinae) from the Cretaceous of south Brazil. Scientific Reports 9, Article number: 9379. doi: https://doi.org/10.1038/s41598-019-45306-9

 

Mais sobre o Vespersaurus: https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Arqueologia/noticia/2019/06/dinossauro-descoberto-no-parana-era-carnivoro-e-tinha-pe-em-forma-de-lamina.html

Alexander W.A. Kellner, Luiz C. Weinschütz, Borja Holgado, Renan A.M. Bantim & Juliana M. Sayão (2019). A new toothless pterosaur (Pterodactyloidea) from Southern Brazil with insights into the paleoecology of a Cretaceous desert. Anais da Academia Brasileira de Ciências 91, suppl.2: e20190768 doi: http://dx.doi.org/10.1590/0001-3765201920190768.

Mais sobre o Keresdrakon: http://cienciahoje.org.br/artigo/um-novo-dragao-alado-do-brasil/

 

Deixe um comentário