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O que as sementes vindas da China, os caramujos e as braquiárias têm em comum? Espécies exóticas e as ameaças à biodiversidade nativa

Sabe quando você está passando na frente de uma casa com um lindo jardim e fica encantada com as belas flores e com vontade de tê-las em casa também? Aí você pode pensar: como escolher as plantas para meu jardim? Será que alguma dessas belezuras pode ser uma ameaça à biodiversidade? Pode sim. Muitas das plantas que encontramos pelas cidades e também na zona rural são espécies exóticas, ou seja, aquelas que não ocorriam naturalmente na vegetação original da região. O movimento dessas espécies de uma região para outra pode ser de maneira natural ou acidental, mas principalmente de forma consciente/intencional, como na agricultura e comércio de plantas ornamentais. É o caso da tumbérgia (Tumbergia grandiflora) (Fig. 1), vinda da Índia, ornamental e muito comum nos jardins brasileiros, cresce densamente sobre a vegetação nativa, sufocando-a e eliminando-a do local.

Figura 1: Tumbérgia (Tumbergia grandiflora). Fonte: Jean Pawek, 2010.

Nesse sentido, é importante evitar a compra de espécies exóticas, privilegiando as plantas nativas locais para os jardins e arborização urbana, procurando informações sobre as originais da região e pressionando os viveiristas para a sua produção e comercialização, por exemplo, nos viveiros de prefeituras que fornecem mudas para a arborização dos municípios.

Recentemente, alguns brasileiros relataram o recebimento de sementes vindas da China (Fig. 2), via correio, sem identificação, sem informações e sem que esse pedido de compra fosse solicitado. Essa situação intrigante gerou preocupação por parte do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que recomendou que as pessoas não abrissem e plantassem essas sementes e nem mesmo as descartassem no lixo.

Figura 2: Sementes “surpresa” vindas da China sem informações e sem serem solicitadas. Fonte: Correio: o que a Bahia quer saber, 2020.

Mas, por que foram emitidas essas recomendações? Primeiramente, essas sementes podem carregar fungos, bactérias ou outras doenças, que podem infectar animais ou plantas, inclusive, prejudicando áreas agrícolas. Mas também há outra questão importante: as próprias sementes podem ser espécies exóticas, que quando plantadas, podem se estabelecer em ambientes brasileiros com condições adequadas ao seu desenvolvimento. 

E qual o problema das espécies exóticas? Elas podem se tornar plantas invasoras, com alto sucesso adaptativo, estabelecendo-se e modificando as relações em seus novos habitats (locais que passam a habitar), podendo se tornar competidoras dominantes ou predadoras efetivas. Em outras palavras, essas espécies, vindas de outras regiões, podem encontrar condições ambientais favoráveis à sua reprodução e à competição e predação de outras espécies, que já estavam naquele local anteriormente. 

Assim, as espécies exóticas podem levar a um desequilíbrio nas relações ecológicas, deixar as paisagens com a predominância de poucas espécies, descaracterizar a biodiversidade local e reduzir o tamanho populacional, ou mesmo, levar à extinção de espécies nativas [falando nisso, tem uma publicação no blog sobre a importância de manter as florestas “intactas”]. A introdução de espécies exóticas e seu potencial invasor é tão relevante, que a fiscalização de alimentos, sementes e outros organismos é regulada nos aeroportos, portos e fronteiras pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Inclusive, o Ministério do Meio Ambiente elaborou a Estratégia Nacional sobre espécies exóticas invasoras. 

Um exemplo de invasão em áreas naturais são os cães domésticos (Canis lupus familiaris) que invadem Unidades de Conservação (UCs) e atacam espécies nativas. Cabe destacar que as UCs são áreas com características naturais relevantes e que são legalmente protegidas com o objetivo de conservar os elementos e funções dessas unidades. Assim, os ataques de cães podem prejudicar a conservação de espécies nativas, inclusive das ameaçadas de extinção. Portanto, no caso de animais exóticos, é importante não abandoná-los, e mesmo, evitar que saiam para passear em áreas com vegetação nativa. 

Devido a problemas com espécies exóticas, existem tratados internacionais para regular a água de lastro de navios que transitam por diferentes países, como a Convenção Internacional sobre Controle e Gestão da Água de Lastro e Sedimentos de Navios. Tal água é aquela que preenche os porões dos navios para que estes tenham mais estabilidade e integridade estrutural, porém, ela é despejada quando as embarcações chegam aos portos. Assim, pode ocorrer transferência de espécimes da fauna e da flora típicos de uma região para outra ecologicamente diferente, o que pode causar ameaças ecológicas e econômicas. Por exemplo, a invasão do mexilhão dourado (Limnoperna fortunei) (Fig. 3) no Brasil que veio juntamente com a água de lastro de navios, vindos da Ásia na década de 90.

Inicialmente, tal mexilhão estava presente no estado do Rio Grande do Sul e foi se espalhando pelo país pela pesca, transporte de areia, transporte pelos rios e água de lastro. Então, passou a disputar espaço com a fauna e flora aquáticas nativas e a gerar outras mudanças ecológicas na cadeia alimentar. Essa espécie invasora tem a capacidade de se incrustar nos cascos de embarcações e em tubulações. Neste último caso, podem entupir as tubulações de hidrelétricas, resultando na paralisação (parcial) das atividades e consequentemente, em problemas econômicos. Inclusive, estima-se que a limpeza das turbinas da Usina de Itaipu acarrete em custos diários extras de cerca de US$ 1 milhão. O exemplo do mexilhão reforça a importância da regulação da água de lastro, mas também aponta a necessidade da fiscalização nos aeroportos, portos e fronteiras já mencionados.

 — Foto: Roberta Jaworski/G1
Figura 3: Informações sobre o tamanho, ocorrência e reprodução do mexilhão dourado. Fonte: IBAMA.

Outro caso brasileiro marcante é o do caramujo gigante (Acathina fulica) (Fig. 4), nativo da África. Tal espécie foi introduzida no Brasil como alternativa econômica ao escargot, mas a experiência não deu certo. Então, os criadores soltaram o animal na natureza e ele se proliferou, sendo que hoje é encontrado em quase todo o território nacional, podendo transmitir doenças e prejudicar plantações e jardins. 

Figura 4: Infestação de caramujos africanos. Fonte: Moldonado, 2018.

Outro exemplo vindo do continente africano é o do capim gordura (Melinis minutiflora Beauv.) e das braquiárias (por exemplo, a espécie Urochloa brizantha) (Fig. 5), que infestam espaços naturais e agrícolas, com controle dificultoso. Eles são capins muito usados como pasto para pecuária e recobrimento de taludes, tendo entrado no território brasileiro pela importação de sementes da África. Atualmente, as braquiárias são um dos grande problemas em UCs, principalmente pela resistência ao fogo, adormecimento das sementes no solo por longo período, ampla tolerância ecológica e alta capacidade de dispersão pelo vento, recobrindo completamente o solo e inviabilizando a germinação de capins nativos e outras formas de vegetação. 

Figura 5: Invasão de capim gordura e braquiárias em áreas naturais principalmente pela dispersão de sementes pelo vento em grande quantidade, permitindo que se alastrem ampla e rapidamente nessas áreas, gerando grande desequilíbrio ambiental e vários desafios no seu controle. Fonte: Gabriella Damasceno, 2020.

Mas, como a gente pode ajudar a evitar problemas com plantas exóticas? Além das ações já mencionadas, a forma mais simples é a prevenção e a educação ambiental, com a disseminação de informações sobre evitar o transporte de espécies não nativas para novas áreas de ocorrência. Isso pode ser feito pela produção de campanhas, programas educativos contínuos, produção de material informativo, trabalho em conjunto com outras organizações e eventos regionais/locais, formação de profissionais e inclusão de tópicos nos materiais didáticos e no currículo escolar. Também é importante a participação da população na fiscalização e divulgação de informações sobre espécies exóticas invasoras. A prevenção é muito importante, pois, quando as espécies invasoras se estabelecem, seu controle e remoção são difíceis e custosos.

Referências:

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Brasil, Ministério do Meio Ambiente. ESTRATÉGIA NACIONAL SOBRE ESPÉCIES EXÓTICAS INVASORAS. Disponível em: https://www.mma.gov.br/estruturas/conabio/_arquivos/anexo_resoluoconabio05_estrategia_nacional__espcies__invasoras_anexo_resoluoconabio05_15.pdf

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