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Ser vegetariano faz bem ao coração?

nov

Nutrição e coração

 

Não é novidade que a alimentação vegetariana tem sido associada a menor risco de doenças do coração. Entretanto, a maioria dos estudos realizados até o momento apresenta algumas falhas metodológicas, como analisar dietas vegetarianas restritas (considerado uma mudança muito radical para algumas pessoas) ou dietas que excluíram apenas alguns alimentos de origem animal (por exemplo a carne vermelha, ou em outros casos todos os tipos de carne). Além disso, a maior parte dos trabalhos não faz distinção entre a qualidade dos produtos vegetais, incluindo produtos sabidamente relacionados a pior perfil metabólico, como bebidas ricas em açúcar. Colaborando para preencher essas lacunas, um estudo publicado neste ano no Journal of The American College of Cardiology1, importante revista de cardiologia, mostrou que não basta ser vegetariano: é preciso escolher bons alimentos vegetarianos para manter o coração saudável!

Partindo do ponto que pequenas mudanças alimentares são mais fáceis de serem seguidas, a pesquisadora Ambika Satija e seus colaboradores da Harvard Medical School em Boston (EUA) estudaram o efeito de reduções graduais de alimentos de origem animal juntamente com o aumento daqueles de origem vegetal em mais de 200 mil adultos que foram acompanhados a cada dois a quatro anos. Os participantes da pesquisa responderam a um questionário de frequência alimentar incluindo cerca de 133 alimentos. Os dados foram reunidos em 18 grupos alimentares dentro de três grandes categorias: alimentos vegetais saudáveis (grãos integrais, frutas/vegetais, nozes/legumes, óleos vegetais, chá/café), alimentos vegetais menos saudáveis (sucos de fruta*, grãos refinados, batatas, bebidas adoçadas, doces/sobremesas), e alimentos de origem animal, como apresentado na Tabela 1. O diferencial desse trabalho foi a criação de índices a partir da pontuação desses alimentos: 1) índice de dieta baseada em vegetais (IDV) onde produtos de origem vegetal saudáveis e não saudáveis receberam pontuação positiva e os de origem animal receberam pontuação negativa; 2) índice de dieta de origem vegetal saudável (IDVs), em que alimentos vegetais saudáveis tiveram pontuação positiva e os demais, negativos; e 3) índice de dieta de origem vegetal não saudável (IDVns), em que alimentos de origem vegetal não saudável receberam pontuação positiva. Assim, os maiores índices encontrados significam menor consumo de alimentos animais. Os pesquisadores também avaliaram o desenvolvimento de doença cardíaca coronariana (DCC), definida como infarto do miocárdio (IM) não fatal e doença cardíaca coronariana fatal.

 

Tabela 1. Exemplos de Itens Alimentares dos 18 grupos estudados a partir dos Questionários de Frequência Alimentar.

  IDV IDVs IDVns
Grupos alimentares vegetais
Saudáveis
Grãos integrais Arroz integral, aveia, cereal matinal integral Pontuação positiva Pontuação positiva Pontuação reversa
Frutas Uva-passa, banana, ameixa, melancia, maçã Pontuação positiva Pontuação positiva Pontuação reversa
Vegetais Tomate, brócolis, molho de tomate, abobrinha, batata-doce, espinafre, alface, berinjela Pontuação positiva Pontuação positiva Pontuação reversa
Castanhas Nozes, castanhas, pasta de amendoim Pontuação positiva Pontuação positiva Pontuação reversa
Leguminosas Feijão, tofu, soja Pontuação positiva Pontuação positiva Pontuação reversa
Óleos vegetais Azeite, óleos vegetais para cozinhar Pontuação positiva Pontuação positiva Pontuação reversa
Chá e café Chá, café e café descafeinado Pontuação positiva Pontuação positiva Pontuação reversa
Menos saudáveis
Sucos de frutas Sidras, sucos de maçã, de laranja Pontuação positiva Pontuação reversa Pontuação positiva
Grãos refinados Pão branco, cereal matinal açucarado, bolos, “waffles”, panquecas Pontuação positiva Pontuação reversa Pontuação positiva
Batatas Batata frita, batata chips, purê de batata Pontuação positiva Pontuação reversa Pontuação positiva
Doces e sobremesas Chocolate, bala, gomas, tortas, geléias, bolos Pontuação positiva Pontuação reversa Pontuação positiva
Grupos alimentares animais
Gordura animal Manteiga Pontuação reversa Pontuação reversa Pontuação reversa
Laticínios Leite desnatado, iogurte, queijos Pontuação reversa Pontuação reversa Pontuação reversa
Ovos Ovos Pontuação reversa Pontuação reversa Pontuação reversa
Peixe e frutos do mar Atum enlatado, peixes, camarão Pontuação reversa Pontuação reversa Pontuação reversa
Carnes Frango, peru, boi, hambúrguer,carne processada, salsicha, linguiça Pontuação reversa Pontuação reversa Pontuação reversa
Produtos variados de origem animal Pizza, maionese, cremes prontos Pontuação reversa Pontuação reversa Pontuação reversa

IDV = Índice de dieta vegetariana geral; IDVs = Índice de dieta vegetariana saudável; IDVns = Índice de dieta vegetariana não-saudável

            Os autores encontraram que a adesão à IDV foi inversamente associada com as DCC. Ao se avaliar IDVs e IDVns separadamente, ter uma dieta vegetariana não saudável aumentou o risco relativo de DCC em 32%, enquanto que ter uma dieta vegetariana saudável reduziu o risco em 25%. Esses resultados foram consistentes considerando as diferenças de idade, índice de massa corporal, história familiar de doença cardíaca coronariana e gênero. Para verificar se o consumo de alimentos de origem animal afetava os resultados das dietas vegetarianas, os pesquisadores fizeram diferentes ajustes estatísticos, e não encontraram mudanças nos resultados.

Traduzindo: simplesmente ser vegetariano ou excluir produtos animais sem critério não necessariamente significa ter uma alimentação mais saudável. É preciso escolher alimentos de boa qualidade: mais grãos integrais que refinados, mais alimentos inteiros do que sucos, por exemplo. Outro ponto importante levantado pelo estudo é que para aquelas pessoas que gostariam de seguir uma dieta vegetariana mas acham muito difícil, reduzir as porções de alimentos animais já traz muitos benefícios. Ter uma alimentação rica em vegetais saudáveis leva ao maior consumo de fibras, antioxidantes, gorduras insaturadas, vitaminas e minerais – nutrientes que melhoram nossa resposta metabólica.

E aí, vamos repensar nossa alimentação?

 

* Os sucos de frutas considerados incluem aqueles obtidos de frutas espremidas, caseiros ou industrializados. São considerados menos saudáveis por apresentarem baixo teor de fibras e alta concentração de carboidratos. A recomendação do consumo de suco de fruta está sendo revista, e a Associação Americana de Pediatria2 propôs em maio deste ano o limite de seu consumo em crianças e adolescente por estar relacionado ao excesso de ganho de peso.

 

 

1) Satija A, Bhupathiraju SN, Spiegelman D, Chiuve SE, Manson JE, Willett W, et al. Healthful and Unhealthful Plant-Based Diets and the Risk of Coronary Heart Disease in U.S. Adults. J Am Coll Cardiol. 2017; 70(4):411-422.

2) http://pediatrics.aappublications.org/content/early/2017/05/18/peds.2017-0967

3) Imagem: http://www.foodnetwork.com/healthy/articles/what-is-a-heart-healthy-diet