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Selênio: um micronutriente de “macro” importância

O Selênio (Se) é um metal do grupo dos calcogênios, de número atômico 34 e massa atômica de 78 u. É encontrado no solo, em alimentos, em microrganismos e no corpo humano, sendo considerado um elemento traço ou micronutriente, pois é um dos muitos elementos e vitaminas que o ser humano precisa, em quantidades mínimas (microgramas/litro), para sobreviver. Devido à suas múltiplas funções, o selênio tem sido alvo de muitos estudos.

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O selênio é proveniente da dieta, sendo encontrado em diversos alimentos. Sua concentração varia também de acordo com as características do solo ou água, influenciando quanto deste elemento será fixada aos alimentos neles produzidos. O conteúdo sérico de selênio varia entre diferentes populações, de acordo com os hábitos e características dos alimentos ingeridos.

Além disso, cerca de 50% da população dos Estados Unidos faz suplementação com selênio. Os valores de referência para o selênio no soro de humanos variam entre 46 a 143 mcg/mL, sendo que a deficiência é associada com várias doenças. O consumo diário recomendado de selênio é de cerca de 60 mcg/dia. Diversos ensaios clínicos estudaram, também o efeito benéfico da suplementação dietética de selênio. É preciso ter cuidado, já que em sua forma inorgânica torna-se tóxico em doses altas.

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O selênio nos alimentos (microgramas/100g alimento): castanhas, atum, ostras, fígado de peru, caviar, mexilhões, gergelim, ovos, arroz integral, milho, queijo, coco.  Imagem disponível em: http://marcelosgaribaldi.blogspot.com/2017/08/el-mineral-selenio_9.html.

 

Em 2012, Margaret Rayman, professora da faculdade de Saúde e Ciências Médicas da Universidade de Surrey, no Reino Unido, publicou uma extensa revisão sobre a importância do selênio na saúde, na conceituada revista Lancet, intitulada “Selênio e a saúde humana”. O selênio possui efeitos sistêmicos e complexos sobre o nosso organismo, que ainda não são totalmente compreendidos. No entanto, sabemos da importância de sua ação como antioxidante, anti-inflamatório, neuroprotetor e estimulador do sistema imunológico. No corpo humano, o selênio é encontrado associado à selenoproteínas com extensa distribuição e diferentes funções, como ativação de células imunológicas e participação na detoxificação do organismo. Níveis baixos de selênio sérico, bem como mutações nas selenoproteínas foram associados com maior risco para diversas doenças (câncer, doenças neurodegenerativas, doenças infecciosas, etc) o que levantou muitos estudos sobre este elemento.

São descritas 25 selenoproteínas em humanos, que incorporam o aminoácido selenocisteína pelo código genético UGA no RNA mensageiro. O micro-elemento é carreado no corpo por diversos transportadores – a família SEPP.

Níveis elevados de selênio no soro são associados com menor risco de mortalidade. Um grande estudo conduzido nos EUA, por Joachim Beyes, Ana Navas-Acien e Eliseo Guallar, dos Departamentos de Epidemiologia e Medicina, Centro Welch de Prevenção, Epidemiologia e Pesquisa Clínica, e Ciências da Saúde do Hospital Médico Johns Hopkins, com a participação de mais de 13 mil adultos acompanhados por 12 anos, o “US Third National Health and Nutrition Examination Survey”, mostrou que níveis séricos superiores à 135 mcg/mL estavam associados a redução da mortalidade. Outro estudo, conduzido na França, com 1389 idosos, mostrou que níveis baixos de selênio estão associados à maior predisposição para o câncer e no estudo “Baltimore Women’s Health and Aging Study”, um estudo com mulheres idosas foi demonstrada que a deficiência de selênio aumenta o risco de morte em 5 anos.

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Figura 1. Hazard ajustado para todas as causas de mortalidade por concentração sérica de selênio, nos participantes do US Third National Health and Nutrition Examination Survey. Podemos ver na curva vermelha, que os valores maiores de selênio são acompanhados de queda no risco de mortalidade.

 

O selênio possui grande importância no Sistema imunológico. Há evidências de que o selênio estimule o sistema imune, inclusive atuando sobre a proliferação e ativação de células T, aumentando a citotoxicidade mediada por linfócitos CTL (citotóxicos) e a atividade de células NK (natural killers). Em um estudo conduzido no Arizona, com idosos, a suplementação de 400𝜇g de selênio diárias, aumentou significativamente a produção de leucócitos, foi observado um aumento de 27% da contagem de células T, quando comparados aos pacientes que receberam placebo.

Os níveis séricos de selênio também interferem no prognóstico e curso de infecções bacterianas e virais. A deficiência de selênio está associada com diminuição da sobrevida de pacientes infectados com HIV. Um dos motivos seria a associação entre concentrações mais baixas de selênio (mesmo que ainda não seja considerado uma deficiência) com contagens mais baixas de linfócitos T CD4+ e alta carga viral. Estudos do tipo ensaio clínico randomizado e controlado já demonstraram benefícios da suplementação de selênio em pacientes HIV/AIDS.

No meu projeto de mestrado, desenvolvido na UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde) estudamos a relação entre polimorfismos em um transportador de selênio codificado pelo gene SEP15 e o tempo de progressão do HIV a AIDS. O paciente infectado com HIV leva em média 3 anos para manifestar os sintomas, sendo então constatada a AIDS. No entanto, existem pessoas que fogem dessa média: os progressores rápidos – desenvolvem a AIDS em até um ano da infecção – e os progressores lentos – que continuam sem tratamento e sem progressão por tempo indeterminado (10 anos ou até mais). Nós conseguimos demonstrar que os pacientes portadores do genótipo AA no polimorfismo rs5859 do gene SEP15, codificador de uma proteína transportadora de selênio, possuem maior risco de progredir da infecção do HIV para AIDS em menor tempo. Outros estudos já mostraram que essa mutação diminui a função do transportador, o que pode impactar nas funções do selênio nas células. Esse achado mostra importância da análise genética dos pacientes e auxilia na predição do tempo de progressão para AIDS.

 

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Figura 2. Risco cumulativo de progressão a AIDS em relação aos anos de infecção pelo HIV no mutante homozigoto AA em comparação com GG e GA para o polimorfismo em estudo.

 

O selênio também possui importância no desenvolvimento e conservação do tecido cerebral. Níveis adequados de selênio durante a vida, favorecem um envelhecimento saudável, pois combatem o estresse oxidativo e a morte celular. A proteína SEPP1 está envolvida em processos de neuroproteção, sobrevivência neuronal e prevenção de apoptose nas células do tecido nervoso. Sua deficiência ou mutação já foi associada com risco aumentado de Parkinson, Alzheimer, demência e síndromes convulsivas. Em um estudo realizado na China com 2000 idosos, foi demonstrado que níveis baixos de selênio também estão associados a déficit cognitivo e menor QI (coeficiente de inteligência).

 

Na fertilidade e sistema reprodutor o selênio também possui importância. Proteínas contendo selênio, como a GPx4 atuam sobre os espermatozoides, permitindo sua conservação e maior motilidade. Em mulheres, a deficiência de selênio é associada ao risco de pré-eclâmpsia. Isso porque o selênio atua como antioxidante, anti-inflamatório, reduzindo dano aos vasos também. Uma mutação na proteína SEPS1 também já foi associada ao risco aumentado de pré-eclâmpsia.
No corpo humano, o tecido que maior concentra selênio é a glândula tireóide. O selênio está envolvido no processo de síntese dos hormônios T3 e T4, amplamente responsáveis pelo controle do metabolismo. Além disso, esse micronutriente desempenha uma função protetora sobre a tireóide, diminuindo a incidência de doenças auto-imunes. Alguns estudos já demonstraram que a suplementação de selênio diminui os sintomas da Tireoidite de Hashimoto, doença auto-imune caracterizada por inflamação que leva ao hipertireoidismo.
O selênio também pode influenciar na ocorrência de diferentes tipos de câncer. Há evidências de que a suplementação com selênio diminui o risco de câncer de pulmão, bexiga, do colorretal, fígado, esôfago, tireóide e próstata. O estudo US Multiethnic Cohort, demonstrou que os 25% dos pacientes homens com os mais altos valores séricos de selênio, na população estudada, possuíam um risco 41% menor de desenvolver câncer de próstata. Outro estudo com foco na prevenção do câncer, com 1312 participantes com histórico prévio de câncer de pele não-melanoma, chamado de “Nutritional Prevention of Cancer (NPC) trial”, testou efeitos da suplementação diária de selênio (200𝜇g/dia) durante 4 a 5 anos. Esse estudo demonstrou que a suplementação de selênio está associada a redução da taxa de mortalidade, em 50%, e redução da incidência total de diferentes tipos de câncer (37%), chegando até mesmo uma redução de 52% do risco de câncer de próstata em homens.
Devido a essas diversas funções sobre o nosso organismo, o selênio também tem sido alvo de estudos da farmacologia. Como sua forma inorgânica é tóxica em quantidades elevadas no ser humano, voltou-se a atenção para compostos orgânicos de selênio. Esses compostos têm sido estudados desde a década de 1980, e apresentam resultados promissores como hepatoprotetores, neuroprotetores, anti-inflamatórios, antibacterianos, antifúngicos e antivirais.

 
O selênio possui múltiplas funções, interferindo em diversas etapas do nosso metabolismo e no estado de saúde-doença do corpo. No entanto, esses mecanismos são complexos e ainda pouco conhecidos. Isso abre portas e levanta a curiosidade para muitos estudos sobre a ação do selênio na saúde humana, bem como um potencial fármaco ou aliado na suplementação dietética.

Apesar disso, devemos estar atentos aos riscos de uma superexposição ao mesmo, que causam danos ao sistema nervoso central, podendo se manifestar como disfunções motoras e sensoriais. Por isso é importante, antes de qualquer suplementação, conhecer a reserva de selênio de cada paciente, suas demandas e características individuais.

Referências:
Margareth P. Rayman . Selenium and human health. Lancet 2012; 379: 1256–68
Jéssica Louise Benelli, Rubia Marılia de Medeiros, Maria Cristina Cotta Matte, Marineide Gonçalves de Melo, Sabrina Esteves de Matos Almeida, and Marilu Fiegenbaum. Role of SEP15 Gene Polymorphisms in the Time of Progression to AIDS. GENETIC TESTING AND MOLECULAR BIOMARKERS Volume 20, Number 7, 2016.
Zhonglin Cai, Jianzhong Zhang, Hongjun Li. Selenium, aging and aging-related diseases. Vol.:(0123456789) Aging Clinical and Experimental Research, 2018.

 

 

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Redução de açúcares dos alimentos industrializados: o que muda com o acordo?

No final de novembro deste ano (26/11), o Ministério da Saúde assinou um acordo com os presidentes de associações do setor produtivo de alimentos, com o objetivo de reduzir o teor de açúcar de cinco categorias de alimentos: 1) bebidas adoçadas (refrigerantes, néctares e refrescos); 2) biscoitos (biscoitos doces sem recheio, exceto, biscoitos maria e maisena, biscoitos doces recheados, biscoitos wafers e rosquinhas; 3) bolos e misturas para bolos; 4) achocolatados em pó e produtos similares; e 5) produtos lácteos. A lista completa de produtos e os itens do acordo podem ser lidos na íntegra aqui

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Por meio desse acordo, estima-se reduzir um total 144 mil toneladas de açúcar dos produtos até 2022. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) realizará o monitoramento da redução do açúcar na formulação dos produtos a cada dois anos, sendo a primeira análise no final de 2020. Fazem parte do acordo a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (ABIA), a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas Não Alcoólicas (ABIR), a Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães e Bolos Industrializados (ABIMAPI) e a Associação Brasileira de Laticínios (Viva Lácteos) {1}.

Segundo dados do Ministério da Saúde, as metas propostas  foram estabelecidas na forma de quantidade de açúcar por porção do alimento, baseadas em critérios que envolvem desde o consumo de açúcar pela população  e distribuição dos teores de açúcar dos alimentos até a necessidade de redução dos níveis máximos de açúcar do alimento; queda dos teores de açúcares livres não resultantes em aumento no valor energético e de adição ou substituição por adoçantes, além do percentual de produtos a serem reformulados para atingirem à meta. Cada tipo de produto possui uma meta individual de redução da quantidade de açúcar por porção, como pode ser lido no acordo. Os biscoitos e produtos lácteos terão os maiores percentuais de meta para redução do alimento até 2022, com a meta de retirar 62,4% e 53,9% de açúcar da composição, respectivamente. Para bolos, a meta é de até 32,4% e para as misturas para bolos, até 46,1% do teor de açúcar. Já os achocolatados, tem a meta de cair até 10,5% e as bebidas açucaradas até 33,8%.

A medida faz parte dos esforços do Brasil para auxiliar no controle das doenças crônicas não transmissíveis, como a obesidade, o diabetes e as doenças cardiovasculares (leia mais sobre o tema nos textos do blog). Segundo o Ministério da Saúde, o país se destaca como um dos primeiros países do mundo a buscar a diminuição do açúcar nos alimentos industrializados. Apesar de números totais robustos, o acordo divide opiniões de especialistas da área de Alimentação e Nutrição, e é considerado fraco. As críticas incluem o caráter voluntário da medida, a falta de punições para quem não cumprir o acordo e metas tímidas, que não atingem alguns dos produtos mais consumidos pelos brasileiros, como refrigerantes e bebidas açucaradas. Ao lermos o rótulo dos refrigerantes mais famosos, por exemplo, observa-se que eles possuem 10,5 gramas de açúcar para cada 100 mililitros, enquanto que a meta para 2022 é de 10,6 gramas por 100 mililitros. Segundo dados da pesquisa do sistema de vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico (VIGITEL), 26% da população brasileira entrevistada consome refrigerantes pelo menos cinco dias na semana, sendo mais frequente entre os mais jovens{2}. Outro importante estudo brasileiro, a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2008-2009) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que nos últimos anos houve redução do consumo do açúcar de mesa, mas cresce a ingestão de açúcares adicionados a alimentos e bebidas em produtos industrializados, como refrigerantes, néctares, balas, biscoitos, bolos e chocolates {3}. Ou seja, o aumento do consumo de açúcar em alimentos prontos para consumo representa um cenário muito preocupante.

O “desânimo” de alguns especialistas em relação ao acordo também está pautado no desdobramento de um acordo anterior para redução do sódio dos alimentos, assinado em 2011. Da mesma forma que o atual, o acordo do sódio previa metas já alcançadas pela maioria dos produtos. Segundo uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) foi constatado que o valor estipulado era muito baixo e ineficiente, exatamente porque a maioria dos produtos já estavam dentro da meta estabelecida {4}. Para a nutricionista do Idec, medidas eficazes são aquelas que realmente apoiam a escolha de alimentos saudáveis pelo consumidor, e que exigem maior controle do Estado. Um exemplo é a mudança dos rótulos dos alimentos, que passariam a conter advertências para o teor de sódio e açúcar, por exemplo, empoderando o consumidor. A inclusão das advertências nos rótulos é um projeto de lei, ainda em votação (link para votar), e precisa muito do apoio de toda a população{5}.

Outra medida interessante é a taxação extra de produtos industrializados.

Medidas similares já foram adotadas por países como Colômbia e México, onde se aumentou a taxação de impostos sobre produtos açucarados. O impacto da medida ainda está sendo avaliadoem pesquisas da área de saúde pública, mas já é considerada estratégia importante com benefícios sociais, econômicos e para a saúde , mostrando redução da probabilidade de compra e ingestão de açúcar especialmente nas populações de menor renda{6,7,8}.

A única certeza que se tem é que para enfrentar as doenças crônicas são necessárias ações em diferentes frentes. A alimentação adequada e saudável constitui um dos principais pilares para a promoção da saúde. Para que essa alimentação saudável seja possível,  é imprescindível a participação da sociedade, compartilhando informações e manifestando posicionamentos – afinal o maior poder é dos consumidores.

Referências

  1. http://portalms.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/44777-brasil-assume-meta-para-reduzir-144-mil-toneladas-de-acucar-ate-2022
  2. https://www.ans.gov.br/images/Vigitel_Saude_Suplementar.pdf
  3. https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv50063.pdf
  4. https://idec.org.br/em-acao/artigo/acordo-para-reduco-de-sodio-nos-produtos-industrializados-no-e-eficiente-entrevista-especial-com-ana-paula-bortoletto
  5. http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/SAUDE/563665-PROJETO-PREVE-ADVERTENCIA-EM-ROTULOS-DE-ALIMENTOS-PROCESSADOS-E-ULTRAPROCESSADOS.html
  6. Backholer, K., & Martin, J. (2017). Sugar-sweetened beverage tax: The inconvenient truths. Public Health Nutrition, 20(18), 3225-3227. doi:10.1017/S1368980017003330
  7. Nakamura R, Mirelman AJ, Cuadrado C, Silva-Illanes N, Dunstan J, Suhrcke M. Evaluating the 2014 sugar-sweetened beverage tax in Chile: An observational study in urban areas. PLoS Med. 2018 Jul 3;15(7):e1002596. doi: 10.1371/journal.pmed.1002596. eCollection 2018 Jul.
  8. Álvarez-Sánchez C, Contento I, Jiménez-Aguilar A, et al. Does the Mexican sugar-sweetened beverage tax have a signaling effect? ENSANUT 2016. PLoS One. 2018;13(8):e0199337. Published 2018 Aug 22. doi:10.1371/journal.pone.0199337

 

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Segurança alimentar e nutricional: precisamos falar sobre isso

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16 de outubro: Dia Mundial da Alimentação, uma celebração da criação da FAO-ONU

 

A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) comemora o Dia Mundial da Alimentação no dia 16 de outubro de cada ano para celebrar a fundação da Organização, ocorrida em 1945. Os eventos são organizados em mais de 150 países, tornando-se um dos dias mais celebrados no calendário da ONU. Esses eventos visam promover a conscientização e a ação global para aqueles que sofrem com a fome e a necessidade de garantir a segurança alimentar e dietas nutritivas para todos(1).

Atualmente o conceito de segurança alimentar vai além do acesso ao alimento. Ele perpassa pela qualidade do alimento e seu modo de produção e é melhor definido pelo termo “segurança alimentar e nutricional (SAN)”.  Segurança alimentar e nutricional pode ser conceituada como a garantia do direito de todos ao acesso a alimentos de qualidade, em quantidades suficientes e de modo permanente, com base em práticas alimentares saudáveis e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais nem o sistema alimentar futuro, devendo se realizar em bases sustentáveis. Além disso, a alimentação adequada é um requisito básico para a promoção e a proteção da saúde, sendo reconhecida como um fator determinante e condicionante da situação de saúde de indivíduos e coletividades(1,2). Desta forma, a SAN implica não somente em reduzir a fome, mas combater todos os agravos à saúde decorrentes da má alimentação, incluindo a obesidade e as doenças crônicas. Atualmente, o Brasil vive a situação chamada transição nutricional, em que há aumento da obesidade em detrimento da desnutrição – sendo assim alcançar a SAN é um grande desafio.

E a nossa alimentação vai mal: nos últimos dez anos houve redução do consumo de alimentos in natura, como frutas e verduras, e aumento do consumo de ultra-processados. O prato típico do brasileiro, o famoso arroz com feijão, também está sendo deixado de lado. Paralelamente, dados do Ministério da Saúde mostram que mais da metade da população está obesa e diabética em todas as camadas da população, com crescimento mais acentuado nos últimos dez anos(4).

O estilo de vida atual favorece também o maior número de refeições realizadas fora de casa e o maior consumo de calorias, composta, na maioria dos casos, por alimentos industrializados e ultra-processados como refrigerantes, cerveja, sanduíches, salgados e salgadinhos industrializados. Entretanto, comer mais calorias, não significou melhorar a ingestão de vitaminas e minerais, pois não se observa redução nos casos de anemias e deficiência de vitamina A, considerados problemas de saúde pública. E ainda persistem altas prevalências de desnutrição crônica em grupos vulneráveis, como as crianças indígenas, quilombolas, residentes na região norte do país e aquelas pertencentes às famílias beneficiárias dos programas de transferência de renda, afetando principalmente crianças e mulheres que vivem em bolsões de pobreza (4,5).

Este cenário epidemiológico reflete os avanços do Brasil na luta contra a fome e a desnutrição, porém o acelerado crescimento do excesso de peso em todas as faixas etárias e de renda deixa clara a necessidade de medidas de controle e prevenção do ganho de peso. Nesse sentido, criou-se a agenda de Alimentação e Nutrição, com destaque para a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), implantada em 1999 e atualizada em 2011, com o objetivo de reorganizar, qualificar e aperfeiçoar as ações para o enfrentamento da complexidade da situação alimentar e nutricional da população brasileira. As ações incluem reorganizar a atenção nutricional dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), proporcionar melhor qualificação de todas as pessoas envolvidas no processo alimentar (do campo à mesa), maior incentivo à pesquisa sobre alimentação e nutrição, promoção da participação da população e articulação de diferentes setores da alimentação (5).

E qual o nosso papel nesse cenário? Primeiramente, comer é um ato político. A escolha alimentar de um indivíduo ou de um grupo com base na sua procedência é agir politicamente(6). Minimizar o desperdício de alimentos e priorizar o consumo de produtos originados de sistemas sustentáveis são bons exemplos de ações a serem tomadas no dia a dia. Segundo dados do IBGE, 30% dos alimentos adquiridos são desperdiçados. A legislação brasileira sobre desperdício de alimentos é limitada e dificulta a doação de alimentos, cabendo à sociedade brasileira encontrar sua própria maneira de lidar com o problema. Algumas políticas como a PNAN tem impacto positivo na redução de perdas por meio da criação de bancos de alimentos e restaurantes populares, bem como ações educativas em diferentes espaços sociais. Atualmente, alguns movimentos internacionais também começam a ganhar força no Brasil, como a aquisição de produtos hortícolas fora de padrões estéticos, “SaveFood Brasil”, “Slow Food”, entre outras(7). É essencial que a população conheça a trajetória dos alimentos, da produção até o consumo, ou seja: saber comprar, conservar e aproveitar cada alimento de forma consciente. Medidas simples, como comprar de produtores locais, evitar comprar em quantidades excessivas e planejar as compras diminuem o descarte de alimentos. Um dos principais mitos existentes é que comer adequadamente custa caro – se desperdiçamos menos, usamos nosso dinheiro com consciência. Evitar o desperdício favorece a alimentação saudável – para o corpo e para o planeta.

 

 

Referências

1) http://www.fao.org/brasil/pt/

2) Jaime Patricia Constante, Delmuè Denise Costa Coitinho, Campello Tereza, Silva Denise Oliveira e, Santos Leonor Maria Pacheco. Um olhar sobre a agenda de alimentação e nutrição nos trinta anos do Sistema Único de Saúde. Ciênc. saúde coletiva  [Internet]. 2018  June [cited  2018  Oct  10] ;  23( 6 ): 1829-1836. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232018000601829&lng=en.  http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018236.05392018.

3) Vasconcellos Ana Beatriz Pinto de Almeida, Moura Leides Barroso Azevedo de. Segurança alimentar e nutricional: uma análise da situação da descentralização de sua política pública nacional. Cad. Saúde Pública  [Internet]. 2018  [cited  2018  Oct  10] ;  34( 2 ): e00206816. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2018000205016&lng=en.  Epub Mar 01, 2018.  http://dx.doi.org/10.1590/0102-311×00206816.

4) http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/abril/17/Vigitel.pdf

5) http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_alimentacao_nutricao.pdf

6) http://www.cfn.org.br/index.php/o-vilao-do-prato-saudavel/

7) Henz, Gilmar Paulo, & Porpino, Gustavo. (2017). Food losses and waste: how Brazil is facing this global challenge?. Horticultura Brasileira, 35(4), 472-482. https://dx.doi.org/10.1590/s0102-053620170402

Imagem: http://www4.planalto.gov.br/consea/comunicacao/noticias/2017/outubro/dia-mundial-da-alimentacao-seguranca-alimentar-para-migrantes

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Cérebro e intestino: parceria inseparável

A relação entre nosso cérebro e nosso intestino tem sido estudada já faz algum tempo. Diversas publicações ao longo dos anos 2000 sobre “o segundo cérebro” popularizaram a informação de que nosso intestino tem funções muito mais abrangentes do que apenas absorver nutrientes. A neurociência, mais recentemente, reconheceu o papel da microbiota intestinal  com o sistema nervoso central e doenças como Alzheimer, bem como já documentou que o estresse muda a composição dessa microbiota e essa mudança pode afetar nosso comportamento frente às diferentes situações(1).

Primariamente, as bactérias da microbiota intestinal se beneficiam do ambiente muito nutritivo do intestino humano e em troca, beneficiam o indivíduo tornando alguns nutrientes que não seriam digeridos, disponíveis para o organismo humano. Também combatem o acesso a bactérias patogênicas e modulam nossa função neuronal de forma direta e indireta. A ciência descreve que o intestino e o cérebro se comunicam por rede de neurotransmissores, e mais recentemente mostrou que as vitaminas e alguns compostos chamados metabólitos microbiais neuroativos são capazes de afetar a função neuronal direta e indiretamente. A microbiota pode ainda afetar a resposta inflamatória e mandar sinais para o cérebro, ativando neurônios sensoriais e vias relacionadas ao sistema imune e endócrino. Estudos em animais já mostraram inclusive que camundongos com diferentes graus de ansiedade podem ter seu comportamento alterado pela microbiota por alterar a química cerebral, com resultados semelhantes em estudo de quadros de depressão(2).

 

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Esquema mostrando a relação entre cérebro e intestino: a parte superior do trato gastrointestinal (TGI), mostrada em amarelo, inclui o esôfago e o estômago. O intestino delgado (duodeno, jejuno, íleo) é mostrado em azul claro; o intestino grosso (ceco e cólon ascendente, transverso e descendente) é mostrado em verde. As interações entre o TGI e o sistema nervoso autônomo e central são indicadas por linhas vermelhas. As setas azuis bidirecionais curtas indicam aferências e eferências. O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA) é mostrado em amarelo escuro. A legenda mostra os tipos de células nervosas (glias entéricas e neurônios entéricos em vermelho), sistema endócrino em verde, músculo liso em marrom e as bactérias que colonizam o intestino em branco (2).

Uma das formas de modular a composição da microbiota é por meio do uso de probióticos. Esses probióticos são microorganismos vivos selecionados e administrados em quantidade adequada que exercem efeito benéfico sobre a saúde humana. Os famosos leites fermentados são a maneira mais popular de consumir esses probióticos, entretanto, a quantidade de microorganismos presentes nesses produtos são questionáveis. A forma mais segura para o consumo desses microorganismos é a forma manipulada ou adquirida pronta em farmácias. O interessante do uso potencial desses microorganismos é a possibilidade de  tratar desordens como doença de Parkinson, Alzheimer, autismo e transtornos de hiperatividade e déficit de atenção, foco dos estudos mais atuais(2). A maior parte dos estudos realizados empregaram modelos animais e apontam que os efeitos variam de acordo com o tipo de probiótico e com qual parte do cérebro esse microorganismo interage. Em humanos, o número de estudos ainda é muito reduzido, entretanto descrevem que houve redução de sintomas de ansiedade e humor nos indivíduos que consumiram os probióticos(2).

Neste contexto, surge uma questão: e o que comemos, é capaz de influenciar nossa microbiota? A resposta é SIM. O tipo de alimentação é um importante fator de influência sobre a microbiota intestinal. Por exemplo, o consumo de alimentos predominantemente de origem animal ou de origem vegetal por curtos períodos é capaz de alterar rapidamente a estrutura das bactérias(1). Um exemplo bem expressivo é a diferença entre bebês alimentados com fórmula e alimentados no peito, já discutido aqui no blog . Além dos nutrientes, nossa alimentação é capaz de fornecer combustível específico para as bactérias boas, conhecido como prebióticos. Além das vitaminas, minerais e fibras dos alimentos vegetais que devem compor o padrão alimentar saudável já bem conhecido, alimentos como sementes e raízes de alguns vegetais como o Yacon, chicória, cebola, alho, alcachofra, aspargo, cevada, centeio, grãos de soja e grão-de-bico fornecem esse combustível valioso para a saúde do primeiro e do segundo cérebro. Vamos começar? Assim garantimos a boa saúde “mental”.
Referências:

  1. Mayer EA, Knight R, Mazmanian SK, et al. Gut microbes and the brain: paradigm shift in neuroscience. J Neurosci. 2014;34:15490–15496.
  2. Mohajeri MH, La Fata G, Steinert RE, Weber P. Relationship between the gut microbiome and brain function. Nutr Rev. 2018 Apr 26. doi: 10.1093/nutrit/nuy009
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Relação alimentos e doença: uma questão de escolha individual ou ambiental?

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Fonte: http://www.reacaosaudavel.com.br/como-escolher-melhor-os-alimentos-no-supermercado/

 

A obesidade e as doenças crônicas são consideradas as principais causas de morbidade e mortes prematuras da população mundial. Por apresentarem causa multifatorial, o combate a essas condições é o principal desafio atual, sendo de extrema importância abordar os múltiplos fatores e níveis envolvidos no desenvolvimento dessas doenças. Recentemente tem se discutido muito a relação causal entre essas condições e a publicidade, e a maior disponibilidade de alimentos considerados menos saudáveis, enquanto muitos setores alegam ser uma questão apenas de escolha individual. Neste sentido, cresce o interesse em se aplicar um tipo de intervenção multinível e multicompartimental para responder a perguntas como: como os mecanismos biológicos são afetados por diferentes características do ambiente construído, social ou econômicamente, para produzir uma determinada distribuição de alimentos no ambiente ? Como essas condições permitem ou restringem a alimentação, e como essas condições  são incorporadas nos sistemas biológicos para afetar esses comportamentos?(1)

Considerando essas questões, pesquisadores americanos avaliaram o impacto de uma intervenção comunitária multinível (operando em diferentes condições do ambiente alimentar) e multicomponente (atuando em diferentes níveis de distribuição de alimentos). A comunidade escolhida foi uma área de baixa renda da cidade de Baltimore, nos Estados Unidos, tendo como público principal as crianças. A intervenção consistiu na promoção e venda de alimentos mais saudáveis , de forma a aumentar o acesso e demanda desses alimentos. Foram incluídos na intervenção os mercados atacadistas, lojas de conveniência e mercados locais, centros de recreação e domicílios. Para selecionar os domicílios avaliados, foram convidados adultos cuidadores de crianças nos centros de recreação e frequentadores dos estabelecimentos comerciais da região selecionada(2).

No nível do atacadista, os gerentes foram convidados a armazenar produtos mais saudáveis, como grãos integrais, frutas e vegetais e lanches e bebidas com baixo teor de gordura e baixo teor de açúcar.  A maioria dos alimentos promovidos e das bebidas selecionadas estavam disponíveis durante todo o ano. Em lojas de conveniência e mercados menores, os proprietários foram incentivados a armazenar e/ou preparar alimentos usando itens mais saudáveis sugeridos pelo estudo. Os produtos foram promovidos nas lojas através de cartazes, etiquetas de prateleiras e sinalização. Além disso, os clientes foram expostos a esses novos produtos durante as sessões educacionais interativas conduzidas pelos pesquisadores nas lojas. Os clientes provaram amostras de alimentos, receberam folhetos educacionais, brindes e informações detalhando os benefícios para a saúde de cada item de comida ou bebida. Paralelamente, nas mídias sociais, materiais educativos e receitas foram disponibilizados e reforçados por meio de postagens e mensagens de texto enviadas para os cuidadores adultos. Nos centros de recreação, líderes juvenis (estudantes da faculdade de Baltimore e do ensino médio) ensinaram lições em tópicos de nutrição e aulas de culinária para crianças com idade entre 10 e 14 anos(2).

Para analisar  os resultados, os pesquisadores compararam os locais com e sem intervenção. Os autores do estudo observaram que houve aumento da venda dos produtos promovidos no comércio atacadista e maior disponibilidade desses produtos nos mercados menores, em especial em relação a bebidas e lanches. As crianças que foram expostas aos alimentos mais saudáveis aumentaram seu consumo significativamente, apesar do mesmo não ter sido observado em seus cuidadores. Assim, concluíram que a intervenção foi bem sucedida para modificar o ambiente alimentar (2).

Apesar de trazer algumas limitações, essa pesquisa merece destaque por ser pioneira no setor de distribuição de alimentos, mostrando o impacto das mudanças no sistema alimentar(2). Mais estudos com foco em outros itens alimentares e outros públicos serão necessários, bem como avaliar a resposta dessas mudanças por maior tempo e também nas variáveis de saúde. O campo é promissor, uma vez que estudos em escolas utilizando o mesmo modelo multinível mostraram haver redução do peso da população estudada(3-5). A mensagem que fica é que é preciso envolver crianças e suas famílias, escolas, líderes empresariais, profissionais de saúde, atores políticos e organizadores da comunidade para garantir melhor qualidade de vida e prevenir os problemas de saúde. Não basta apenas escolher – precisamos ter opções para fazermos melhores escolhas.

 

  1. Huang TT, Drewnowski A, Kumanyika SK, Glass TA. A Systems-Oriented Multilevel Framework for Addressing Obesity in the 21st Century. Preventing Chronic Disease. 2009;6(3):A82.
  2. Gittelsohn J, Trude AC, Poirier L, et al. The Impact of a Multi-Level Multi-Component Childhood Obesity Prevention Intervention on Healthy Food Availability, Sales, and Purchasing in a Low-Income Urban Area. Powell L, ed. International Journal of Environmental Research and Public Health. 2017;14(11):1371. doi:10.3390/ijerph14111371.
  3. Economos CD., Hyatt RR., Must A, Goldberg JP, Kuder J, Naumova EN, Collins JJ, Nelson ME. Shape up somerville two-year results: A community-based environmental change intervention sustains weight reduction in children. Med. 2013;57:322–327. doi: 10.1016/j.ypmed.2013.06.001.
  4. Shin A., Surkan P.J., Coutinho A.J., Suratkar S.R., Campbell R.K., Rowan M., Sharma S., Dennisuk LA, Karlsen M, Gass A, et al. Impact of baltimore healthy eating zones: An environmental intervention to improve diet among African American youth. Health Educ. 2015;42:97–105. doi: 10.1177/1090198115571362.
  5. Foster GD, Sherman S, Borradaile KE, Grundy KM, vander Veur SS, Nachmani J, Karpyn A, Kumanyika S, Shults J. A policy-based school
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Ser vegetariano faz bem ao coração?

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Nutrição e coração

 

Não é novidade que a alimentação vegetariana tem sido associada a menor risco de doenças do coração. Entretanto, a maioria dos estudos realizados até o momento apresenta algumas falhas metodológicas, como analisar dietas vegetarianas restritas (considerado uma mudança muito radical para algumas pessoas) ou dietas que excluíram apenas alguns alimentos de origem animal (por exemplo a carne vermelha, ou em outros casos todos os tipos de carne). Além disso, a maior parte dos trabalhos não faz distinção entre a qualidade dos produtos vegetais, incluindo produtos sabidamente relacionados a pior perfil metabólico, como bebidas ricas em açúcar. Colaborando para preencher essas lacunas, um estudo publicado neste ano no Journal of The American College of Cardiology1, importante revista de cardiologia, mostrou que não basta ser vegetariano: é preciso escolher bons alimentos vegetarianos para manter o coração saudável!

Partindo do ponto que pequenas mudanças alimentares são mais fáceis de serem seguidas, a pesquisadora Ambika Satija e seus colaboradores da Harvard Medical School em Boston (EUA) estudaram o efeito de reduções graduais de alimentos de origem animal juntamente com o aumento daqueles de origem vegetal em mais de 200 mil adultos que foram acompanhados a cada dois a quatro anos. Os participantes da pesquisa responderam a um questionário de frequência alimentar incluindo cerca de 133 alimentos. Os dados foram reunidos em 18 grupos alimentares dentro de três grandes categorias: alimentos vegetais saudáveis (grãos integrais, frutas/vegetais, nozes/legumes, óleos vegetais, chá/café), alimentos vegetais menos saudáveis (sucos de fruta*, grãos refinados, batatas, bebidas adoçadas, doces/sobremesas), e alimentos de origem animal, como apresentado na Tabela 1. O diferencial desse trabalho foi a criação de índices a partir da pontuação desses alimentos: 1) índice de dieta baseada em vegetais (IDV) onde produtos de origem vegetal saudáveis e não saudáveis receberam pontuação positiva e os de origem animal receberam pontuação negativa; 2) índice de dieta de origem vegetal saudável (IDVs), em que alimentos vegetais saudáveis tiveram pontuação positiva e os demais, negativos; e 3) índice de dieta de origem vegetal não saudável (IDVns), em que alimentos de origem vegetal não saudável receberam pontuação positiva. Assim, os maiores índices encontrados significam menor consumo de alimentos animais. Os pesquisadores também avaliaram o desenvolvimento de doença cardíaca coronariana (DCC), definida como infarto do miocárdio (IM) não fatal e doença cardíaca coronariana fatal.

 

Tabela 1. Exemplos de Itens Alimentares dos 18 grupos estudados a partir dos Questionários de Frequência Alimentar.

  IDV IDVs IDVns
Grupos alimentares vegetais
Saudáveis
Grãos integrais Arroz integral, aveia, cereal matinal integral Pontuação positiva Pontuação positiva Pontuação reversa
Frutas Uva-passa, banana, ameixa, melancia, maçã Pontuação positiva Pontuação positiva Pontuação reversa
Vegetais Tomate, brócolis, molho de tomate, abobrinha, batata-doce, espinafre, alface, berinjela Pontuação positiva Pontuação positiva Pontuação reversa
Castanhas Nozes, castanhas, pasta de amendoim Pontuação positiva Pontuação positiva Pontuação reversa
Leguminosas Feijão, tofu, soja Pontuação positiva Pontuação positiva Pontuação reversa
Óleos vegetais Azeite, óleos vegetais para cozinhar Pontuação positiva Pontuação positiva Pontuação reversa
Chá e café Chá, café e café descafeinado Pontuação positiva Pontuação positiva Pontuação reversa
Menos saudáveis
Sucos de frutas Sidras, sucos de maçã, de laranja Pontuação positiva Pontuação reversa Pontuação positiva
Grãos refinados Pão branco, cereal matinal açucarado, bolos, “waffles”, panquecas Pontuação positiva Pontuação reversa Pontuação positiva
Batatas Batata frita, batata chips, purê de batata Pontuação positiva Pontuação reversa Pontuação positiva
Doces e sobremesas Chocolate, bala, gomas, tortas, geléias, bolos Pontuação positiva Pontuação reversa Pontuação positiva
Grupos alimentares animais
Gordura animal Manteiga Pontuação reversa Pontuação reversa Pontuação reversa
Laticínios Leite desnatado, iogurte, queijos Pontuação reversa Pontuação reversa Pontuação reversa
Ovos Ovos Pontuação reversa Pontuação reversa Pontuação reversa
Peixe e frutos do mar Atum enlatado, peixes, camarão Pontuação reversa Pontuação reversa Pontuação reversa
Carnes Frango, peru, boi, hambúrguer,carne processada, salsicha, linguiça Pontuação reversa Pontuação reversa Pontuação reversa
Produtos variados de origem animal Pizza, maionese, cremes prontos Pontuação reversa Pontuação reversa Pontuação reversa

IDV = Índice de dieta vegetariana geral; IDVs = Índice de dieta vegetariana saudável; IDVns = Índice de dieta vegetariana não-saudável

            Os autores encontraram que a adesão à IDV foi inversamente associada com as DCC. Ao se avaliar IDVs e IDVns separadamente, ter uma dieta vegetariana não saudável aumentou o risco relativo de DCC em 32%, enquanto que ter uma dieta vegetariana saudável reduziu o risco em 25%. Esses resultados foram consistentes considerando as diferenças de idade, índice de massa corporal, história familiar de doença cardíaca coronariana e gênero. Para verificar se o consumo de alimentos de origem animal afetava os resultados das dietas vegetarianas, os pesquisadores fizeram diferentes ajustes estatísticos, e não encontraram mudanças nos resultados.

Traduzindo: simplesmente ser vegetariano ou excluir produtos animais sem critério não necessariamente significa ter uma alimentação mais saudável. É preciso escolher alimentos de boa qualidade: mais grãos integrais que refinados, mais alimentos inteiros do que sucos, por exemplo. Outro ponto importante levantado pelo estudo é que para aquelas pessoas que gostariam de seguir uma dieta vegetariana mas acham muito difícil, reduzir as porções de alimentos animais já traz muitos benefícios. Ter uma alimentação rica em vegetais saudáveis leva ao maior consumo de fibras, antioxidantes, gorduras insaturadas, vitaminas e minerais – nutrientes que melhoram nossa resposta metabólica.

E aí, vamos repensar nossa alimentação?

 

* Os sucos de frutas considerados incluem aqueles obtidos de frutas espremidas, caseiros ou industrializados. São considerados menos saudáveis por apresentarem baixo teor de fibras e alta concentração de carboidratos. A recomendação do consumo de suco de fruta está sendo revista, e a Associação Americana de Pediatria2 propôs em maio deste ano o limite de seu consumo em crianças e adolescente por estar relacionado ao excesso de ganho de peso.

 

 

1) Satija A, Bhupathiraju SN, Spiegelman D, Chiuve SE, Manson JE, Willett W, et al. Healthful and Unhealthful Plant-Based Diets and the Risk of Coronary Heart Disease in U.S. Adults. J Am Coll Cardiol. 2017; 70(4):411-422.

2) http://pediatrics.aappublications.org/content/early/2017/05/18/peds.2017-0967

3) Imagem: http://www.foodnetwork.com/healthy/articles/what-is-a-heart-healthy-diet

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Microbioma e aleitamento materno: como esses universos se encontram?

Na primeira semana do mês de agosto comemora-se a Semana Mundial do Aleitamento Materno, considerada como veículo para promoção da amamentação. No Brasil é coordenada pelo Ministério da Saúde, que adapta o tema proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) à realidade brasileira, elabora e distribui materiais educativos. A ação se estende por todo o mês e envolve serviços de saúde, escolas, empresas e organizações não governamentais, como a Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar, com o objetivo de incentivar o aleitamento materno por meio de campanhas de empoderamento da mulher e divulgação da importância do leite materno (LM) para a proteção da criança. O Brasil é considerado referência mundial com a maior média de tempo aleitamento materno, como você pode ler nessa matéria do blog.

O leite humano (LH) é considerado a fonte ótima de nutrientes para o bebê, fornecendo água, proteínas, gorduras, carboidratos, vitaminas e minerais que proporcionam o seu crescimento ótimo. Além disso, o LH contém outros fatores não nutrientes que trazem muitos benefícios para a saúde, desenvolvimento e bem-estar infantis e maternos. Entre esses fatores, destaca-se o perfil de bactérias, chamado microbioma. Estima-se que o leite produzido por uma mulher saudável possa conter mais de 200 tipos de comunidades bacterianas e que metade dessa população de bactérias parece ser personalizada e pode ser modificada pelo ambiente em que ela está inserida(1). Um estudo publicado em junho de 2017 no JAMA Pediatrics sugeriu que as bactérias transferidas das mães para os filhos podem ser, pelo menos parcialmente, responsáveis pelos benefícios à saúde do bebê trazidos pelo aleitamento materno(2).

Os pesquisadores estudaram 107 pares de mães e bebês e compararam as bactérias presentes na pele dos seios das mulheres e no LM com aquelas presentes nas fezes dos bebês. A partir das fezes, os pesquisadores determinaram que tipos de bactérias compunham o microbioma do intestino infantil. Embora tenham encontrado tipos distintos de bactérias no leite, na pele e nas fezes dos bebês, foi descoberto que o microbioma intestinal dos bebês combinavam muito mais com as bactérias no leite e na pele de suas mães do que com amostras de outras mulheres do estudo. Isso sugere que o leite de cada mãe foi um dos maiores contribuintes para o microbioma do intestino de seu próprio filho.

Os resultados mostraram ainda que durante os primeiros 30 dias de vida, os bebês que receberam 75% ou mais de sua nutrição pelo LM apresentaram cerca de 28% de suas bactérias intestinais compatíveis com aquelas presentes no LM. Esses bebês também receberam cerca de 10% de suas bactérias intestinais da pele das mães e 62% de outras fontes. A maior diversidade bacteriana e a mudança na composição do microbioma intestinal dos bebês foram associados com a proporção de LM ingerido por dia mesmo depois da introdução de alimentos sólidos. Nos lactentes que receberam a maior parte da nutrição por meio do aleitamento materno exclusivo, as comunidades microbianas foram ligeiramente mais diversificadas em relação ao número de espécies encontradas em comparação com bebês que foram menos amamentados(2).

Apesar de os autores do trabalho do JAMA Pediatrics não terem avaliado os efeitos do microbioma sobre a saúde das crianças, os autores destacaram que foram capazes de mostrar que existem sim bactérias específicas no LM e que essas bactérias podem ser encontradas também no intestino dos bebês, um assunto controverso até o momento. O estudo fornece evidência de que o microbioma do LH é um mecanismo pelo qual o aleitamento materno fornece benefícios.

ago 2017

Tipo de aleitamento influencia o perfil de bactérias intestinais de bebês.

 

É importante ressaltar que apesar de conhecermos os inúmeros benefícios do leite materno, ainda boa parte das mulheres não conseguem fazê-lo ou o fazem por tempo inferior ao recomendado pela OMS*. Com exceção das mulheres impossibilitadas de amamentar, sabe-se que muitas mulheres fazem o desmame precoce por falta de informação ou incentivo para continuar a amamentação. Estudos realizado no Brasil mostraram que os principais motivos para interromper o aleitamento materno foi a informação de “leite fraco” ou “leite secou”, trabalho fora de casa e interferências externas, como crenças e tabus passados pela família e orientação médica(3,4). Para saber mais sobre o desmame, há um outro texto publicado no blog. O sucesso na amamentação é o resultado de interações sociais complexas e qualquer estratégia de êxito deve ser orientada para o empoderamento da mãe. Portanto, os profissionais de saúde e a comunidade devem aprender e repassar toda informação que incentive a prática do aleitamento, considerando ainda as necessidades e preferências da mulher, bem como seu sistema de valores.

 

* Recomenda-se aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida e como complemento da alimentação até dois anos de idade ou mais.

 

1) Bode L, McGuire M, Rodriguez JM, Geddes DT, Hassiotou F, Hartmann PE, McGuire MK. It’s alive: microbes and cells in human milk and their potential benefits to mother and infant. Adv Nutr. 2014 Sep;5(5):571-3.

2) Pannaraj PS, Li F, Cerini C, Bender JM, Yang S, Rollie A, et al. Association Between Breast Milk Bacterial Communities and Establishment and Development of the Infant Gut Microbiome. JAMA Pediatr. JAMA Pediatr. 2017 Jul 1;171(7):647-654. doi: 10.1001/jamapediatrics.2017.0378.

3)Escobar, Ana Maria de Ulhôa et al. Aleitamento materno e condições socioeconômico-culturais: fatores que levam ao desmame precoce. Rev. Bras. Saude Mater. Infant. [online]. 2002, vol.2, n.3 [citado  2017-08-22], pp.253-261. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-38292002000300006&lng=pt&nrm=iso&gt;. ISSN 1806-9304.  http://dx.doi.org/10.1590/S1519-38292002000300006.

4) Araujo, Olívia Dias de et al. Aleitamento materno: fatores que levam ao desmame precoce. Rev. bras. enferm. [online]. 2008, vol.61, n.4 [cited  2017-08-22], pp.488-492. Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672008000400015&lng=en&nrm=iso&gt;. ISSN 0034-7167.  http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672008000400015.

5) Figura: https://www.scienceandsensibility.org/p/bl/et/blogid=2&blogaid=734

 

 

 

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O gosto amargo dos adoçantes

O excesso de ingestão de açúcar está ligado a diversos efeitos deletérios à saúde, incluindo obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares (você pode ler um pouco mais nesse texto do blog: Doenças cardiovasculares e recomendações nutricionais: perspectivas para pesquisas futuras). Os refrigerantes dietéticos, diet e light ou artificialmente adoçados são comumente vendidos e usados como substitutos das versões açucaradas por aqueles que querem reduzir o consumo de açúcar e calorias. Entretanto, um estudo publicado no mês passado fez um alerta para o consumo dessas bebidas contendo adoçantes (ou edulcorantes), que foram associadas a maior risco de acidente vascular encefálico (AVE, ou popularmente chamado de derrame) e demência (1).

O estudo foi conduzido como parte do “Framingham Heart Study”, uma série de estudos de coorte (comparação entre um grupo exposto a um fator de risco e outro grupo não exposto para verificar se indivíduos expostos ao fator de risco desenvolvem a doença em questão, em maior ou menor proporção, do que um grupo de indivíduos não expostos) realizada na cidade de Framingham (Estados Unidos). Os estudos de Framingham são os principais estudos na área de Cardiologia e incluíram 5214 voluntários acompanhados desde 1971 por meio de ciclos de consultas e exames a cada 4 anos, totalizando 9 ciclos finalizados até 2014. As ocorrências de demência e AVE foram monitoradas por 10 anos e tiveram início do ciclo 7 de exames, conforme representado na Figura 1. A ingestão alimentar recente e a média de ingestão de bebidas adoçadas durante os 10 anos de acompanhamento (chamada de cumulativa) foram obtidas por meio de questionários de frequência alimentar realizados em cada ciclo do estudo. Foram investigadas a frequência do consumo de um copo, garrafa ou lata durante o último ano de três tipos de refrigerante adoçado com açúcar (ex: coca-cola), quatro tipos de suco de fruta, uma bebida de fruta com açúcar (ex: suco de caixinha) e três tipos de refrigerante adoçados artificialmente (ex: coca-cola diet). Pacientes com sintomas neurológicos e AVE no inicio do estudo foram excluídos. Após ajustes estatísticos para idade, gênero, escolaridade, ingestão calórica, qualidade da dieta, atividade física e tabagismo, o maior consumo recente e maior consumo cumulativo de refrigerantes adoçados artificialmente foram associados ao maior risco de AVE isquêmico, demência e demência da doença de Alzheimer (esses ajustes são cálculos realizados a fim de garantir que a associação seja explicada somente pelo consumo das bebidas, e não por outros fatores). Quando comparados com a ingestão diária de zero, usada como referência, o consumo dessas bebidas mais que dobrou o risco de AVE e demência do Alzheimer. Essa associação não foi observada com o consumo de bebidas adoçadas com açúcar (1).

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Imagem adaptada de Pase et al. (2017) (1)

Segundo os autores, pesquisas populacionais anteriores observaram relação semelhante entre maior risco de eventos cardiovasculares (infarto e AVE) e maior consumo de refrigerantes adoçados artificialmente. O estudo de Framingham mostra novas evidências desta ligação entre risco de AVE e demência e o consumo dessas bebidas. Entretanto, a associação desses eventos somente com as bebidas adoçadas artificialmente, e não açucaradas, é intrigante. O mecanismo responsável por essa relação ainda é incompreendido (1). A principal hipótese seria uma resposta compensatória do organismo ao uso do edulcorante, ou seja, se na primeira refeição reduz-se o consumo de carboidratos e energia pelo consumo do adoçante, na próxima refeição o organismo aumenta o consumo de energia vindo de outros alimentos (2).

Para pôr mais lenha na fogueira dos adoçantes, um trabalho brasileiro mostrou que o consumo de bebidas adoçadas artificialmente está associado a maior número de novos casos de diabetes em pessoas com peso normal. Um dos mecanismos fisiopatológicos propostos é a alteração da microbiota intestinal, que levaria à intolerância à glicose. Nessa condição, o açúcar não é metabolizado adequadamente, resultando em glicose aumentada no sangue, mas não tão alta quanto em pessoas que apresentam diabetes. A intolerância à glicose é chamada de pré-diabetes e está relacionada a maior estado inflamatório no organismo, fator de risco para o aparecimento das doenças crônicas. Um dado interessante do estudo brasileiro é que o aumento dos casos de diabetes não foi observado entre os indivíduos com sobrepeso e nem nos obesos, ou seja, indivíduos que poderiam se beneficiar pelo uso dos edulcorantes (3).

Então será que podemos concluir que os adoçantes artificiais devem ser evitados? A resposta: ainda não. É importante ressaltar que esses estudos são observacionais, com baixo poder para mostrar a relação de causa e efeito. Um viés que poderia ser considerado é que não se sabe se os adoçantes seriam a causa dos problemas, ou se as pessoas com maior risco consomem maior quantidade desses adoçantes. Estudos experimentais e clínicos são necessários para desvendar os mecanismos e esclarecer se existe relação de causalidade. Além disso, os alimentos adoçados artificialmente normalmente contêm edulcorantes não nutritivos como sacarina, sucralose, acessulfame ou aspartame e são aprovados e considerados seguros pela Food and Drug Administration (FDA), agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, responsável pela proteção e promoção da saúde pública através do controle e supervisão da segurança alimentar. Os resultados adversos apontados pelas pesquisas descritas aqui levantam importantes questões sobre o uso indiscriminado e sem prescrição profissional dos adoçantes, indicados para pessoas com alterações na glicemia. Assim, mais uma vez, as evidências científicas nos levam em busca de uma alimentação mais natural e que leve em consideração nossos fatores individuais.

 

Referências

  1. Pase MP, Himali JJ, Beiser AS, Aparicio HJ, Satizabal CL, Vasan RS, Seshadri S, Jacques PF. Sugar- and Artificially Sweetened Beverages and the Risks of Incident Stroke and Dementia: A Prospective Cohort Study. 2017 May;48(5):1139-1146. doi: 10.1161/STROKEAHA.116.016027.
  2. Gardner C, Wylie-Rosett J, Gidding SS, Steffen LM, Johnson RK, 
Reader D, et al; American Heart Association Nutrition Committee of the Council on Nutrition, Physical Activity and Metabolism, Council on Arteriosclerosis, Thrombosis and Vascular Biology, Council on Cardiovascular Disease in the Young, and the American D. Nonnutritive sweeteners: current use and health perspectives: a scien- tific statement from the American Heart Association and the American 
Diabetes Association. Circulation. 2012;126:509– doi: 10.1161/CIR.0b013e31825c42ee.
  3. Yarmolinsky J, Duncan BB, Chambless LE, Bensenor IM, Barreto SM, Goulart AC, Santos IS, Diniz Mde F, Schmidt MI. Artificially Sweetened Beverage Consumption Is Positively Associated with Newly Diagnosed Diabetes in Normal-Weight but Not in Overweight or Obese Brazilian Adults. J Nutr. 2016 Feb;146(2):290-7. doi: 10.3945/jn.115.220194.

 

 

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Aleitamento materno: uma questão de saúde pública

agosto-dourado

O mês de agosto é conhecido como “Agosto Dourado”, dedicado à promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno. A data reforça a “Semana Mundial do Aleitamento”, uma campanha da Organização Mundial da Saúde existente há mais de vinte anos. No tema escolhido para a campanha, a cor dourada se refere ao padrão ouro de qualidade do leite materno. No mês passado, os serviços de saúde intensificaram suas ações educativas por meio de eventos e informativos (propaganda, cartazes, posts em rede sociais) com o objetivo de promover o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade e como complemento até o segundo ano de vida. Em 2016, o Ministério da Saúde (MS) foi além dos benefícios para a mãe e o bebê e destacou os aspectos econômicos e ecológicos do aleitamento materno: a fabricação de leites em pó ou longa vida utilizam energia, materiais para embalagem, combustível para a distribuição e água, além de produtos de limpeza tóxicos para o preparo diário [1].

No início deste ano a revista The Lancet publicou uma completa revisão sobre os padrões de amamentação no mundo, as consequências a curto e longo prazo pra mãe e criança e as estimativas de quantas vidas poderiam ser salvas se os índices de amamentação fossem ideais [2]. O artigo descreve que países de baixa renda apresentam as melhores taxas de amamentação em todas as idades quando comparados aos países de alta renda. Quando se dobra o PIB per capita, a prevalência de aleitamento aos doze meses decresce 10%.O estudo aponta também que em países mais ricos, mulheres com maior grau de escolaridade e maior renda amamentam por mais tempo. Nos países mais pobres, por outro lado, conforme há aumento da renda, são menores as taxas de amamentação e maior o uso de substitutos lácteos.

O Brasil foi citado como referência mundial, à frente dos Estados Unidos, Reino Unido e China: em 30 anos a média de aleitamento passou de dois meses e meio para 14 meses em nosso país. Apesar dos avanços, dados do MS descrevem que somente 41% das crianças recebem aleitamento materno exclusivo (somente leite materno) até os seis meses. O estudo do The Lancet aponta que a iniciação do aleitamento (recomendada na primeira hora de vida) e a exclusividade ainda tem índices insatisfatórios. Os avanços brasileiros são atribuídos à regulamentação da lei da amamentação, que limita a comercialização de substitutos do leite materno e incentiva a licença maternidade de 6 meses, além da atuação dos hospitais “Amigos da Criança” e dos Bancos de Leite Humano.

Além dos bem conhecidos benefícios do ponto de vista nutricional, os autores relatam menores taxas de infecções, menos má-oclusões dentais e maior inteligência em comparação tanto com as crianças amamentadas por períodos curtos como com as não amamentadas no peito, com índices que se refletem ainda na vida adulta. As evidências também sugerem que o aleitamento materno protege contra obesidade e diabetes nas demais fases da vida. Para as mães, amamentar previne câncer de mama, melhora o intervalo entre as gestações e pode reduzir o risco de diabetes e câncer de ovário. Os achados de estudos imunológicos, epigenéticos e de microbioma esclarecem que o aleitamento materno é um remédio personalizado para mãe e filho. O leite materno transmite elementos da microbiota e sistema imunológico da mãe e promove o crescimento de bactérias benéficas, independente do tipo de parto. O leite materno possui 8% de seu valor calórico total composto por oligossacarídeos específicos (do inglês, human milk oligosaccharides – HMOs) que não são digeridos e promovem uma resposta imunológica intestinal adequada. O estudo estima ainda que o aleitamento materno pode prevenir 823 mil mortes infantis e 20 mil mortes por câncer de mama por ano, e pode contribuir para alcançar a meta de reduzir a pobreza e melhorar a educação e a economia dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas [3].

A revisão compila informações valiosas sobre o aleitamento materno, e destaco aqui os avanços do aleitamento materno no nosso país. Entretanto, é inevitável refletir sobre os motivos do sucesso do aleitamento, muito além dos aspectos econômicos e de saúde. É necessário que a mulher se sinta segura e amparada nesta fase tão importante da vida. Claro que existem mulheres que não podem amamentar e cada caso deve ser avaliado. Mas muitas delas deixam de fazê-lo por crenças e tabus, como leite fraco, quantidade de leite produzido pela mãe e “peitos caídos”. Os profissionais de saúde devem instruir as mães nas dificuldades e a família deve dar o apoio emocional e incentivo para que a mulher não desista de seus objetivos. A sociedade também deve participar e não constranger ou condenar a mulher que amamenta em público. Avanços existem, mas ainda há muito a ser feito. Essa discussão renderia muitas postagens… Por enquanto, me arrisco a afirmar que a informação e o empoderamento das mulheres são as palavras-chave. Que tal passar essas informações pra frente e fazer sua parte?

 

  1. http://www.brasil.gov.br/saude/2016/08/governo-lanca-campanha-sobre-amamentacao-para-2016
  2. Cesar G Victora, Rajiv Bahl, Aluísio J D Barros, Giovanny V A França, Susan Horton, Julia Krasevec, Simon Murch, Mari Jeeva Sankar, Neff Walker, Nigel C Rollins. Breastfeeding in the 21st century: epidemiology, mechanisms, and lifelong effect. The Lancet, Volume 387, Issue 10017, 30 January–5 February 2016, Pages 475-490.
  3. http://www.un.org/sustainabledevelopment/sustainable-development-goals/

Figura: https://www1.mar.mil.br/saudenaval/aleitamento-materno-agosto-dourado