Bourdieu defende a ideia de que o homem aprende a lógica da dominação masculina e a mulher absorve essa relação inconscientemente. A repetição então é entendida como inerente ao ser humano. Aprendemos através de exemplos. Assim, muitas vezes, nós repetimos sem perceber. Nesse sentido, a sociedade, naturalizando comportamentos, legitima essa concepção através das repetições. Bourdieu define o poder simbólico como este poder invisível no qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem. (Bourdieu 1989: 6-16). Nessa linha, a violência simbólica, segundo o autor se traduz como uma violência suave, insensível pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento ou reconhecimento. (Bourdieu 2003)
Segundo o autor, na lógica da dominação o dominado reconhece o poder exercido pelo dominante. As instituições tais como Estado, família e escola colaboram como agentes de perpetuação dessa relação de dominação, pois elaboram e impõe princípios de dominação que são exercidos no campo mais fértil que pode haver em uma sociedade: a vida privada. Essas instituições determinam comportamentos, impõe regras, valores que são absorvidos pelas instituições familiares, de forma que através da comunicação são aprendidos instintivamente por meio de esquemas inconscientes da ordem masculina.
A dominação masculina é munida de todos os instrumentos necessários para seu funcionamento. O termo simbólico, no caso da dominação masculina, procura demonstrar que esta é tanto ofensiva e perigosa quanto a violência física, pois é tão forte que não necessita de justificação ou coação, ela já se encontra inserida como uma predisposição natural do indivíduo. O poder simbólico é construído, por isso não existe culpabilização da vítima, já que devido a essa construção estrutural a mulher acaba se comportando de forma que ratifica sua submissão, ainda que seja não intencional a partir de concepções aprendidas do que é amável, admirável, ela se sensibiliza com essas manifestações e procura se enquadrar nesse perfil. (Bourdieu 2003)
Se houve um trabalho de historicização de eternizar conceitos, para sair desse elemento opressor, seria necessário um trabalho de reconstrução da história ou a recriação da história e das estruturas que mantém a dominação masculina. O Estado, a igreja e a escola foram e são as instituições mais importantes responsáveis pela construção dos papéis desempenhados pelos gêneros. A família é o berço da representação da dominação masculina, onde se inicia a primeira noção de divisão de tarefas baseadas no gênero. A igreja, sendo historicamente antifeminista, perpetua através de séculos a noção moralista patriarcal de inferioridade feminina, condenando qualquer tipo de prática considerada subversiva aos costumes, como roupas ou determinados comportamentos. (Bourdieu 2003) Assim, a escola contribuiu transmitindo ideias arcaicas de modelos pré-concebidos tipicamente masculinos e femininos, de profissões e de comportamentos. O Estado adquire uma figura paternalista em alguns países, onde faz da família patriarcal o núcleo duro da sociedade, atribuindo excesso de importância ao homem, em detrimento da mulher.
Há fatores que podem contribuir para uma mudança e questionamento da dominação masculina, são os fatores de mudança descritos pelo autor. O movimento feminista contribuiu em algumas áreas para desmistificação de certos comportamentos, rompendo-os. Podemos citar a área que abrange o acesso da mulher ao mercado de trabalho e seu papel, houve nesse sentido distanciamento relativo das tarefas domésticas. O mais importante está relacionado ao âmbito escolar, onde o acesso feminino garantiu mais independência feminina econômica no seio familiar, além de contribuir para mudar a estrutura familiar, aumentando o número de divórcios. (Bourdieu 2003)
O aumento da escolaridade e o acesso feminino as profissões intelectuais e nos meios de difusão de vendas de serviços simbólicos merecem destaque, pois são posições que anteriormente não eram ocupadas por mulheres. Infelizmente isso não significa que as posições ocupadas sejam posições de destaque, pois embora as condições tenham melhorado contribuindo para maior ascensão e independência da mulher, os postos onde se detém muito poder está quase que exclusivamente restrito aos homens, salvo raras exceções. (Bourdieu 2003).
Assim, a violência de gênero se expressa e se reproduz culturalmente através de comportamentos irrefletidos, aprendidos histórica e socialmente. Em resumo, Bourdieu defende a ideia de que a dominação masculina é aprendida pelo homem e absorvida pela mulher inconscientemente e como tal podemos concluir e entender que a violência é um problema social e como tal deve ser atacado não somente nos resultados.
BIBLIOGRAFIA
Trecho do texto publicado na Revista Libertas – Ouro Preto-MG – ISSN 2319-0159 – Volume 2 / n. 1 / jan./jun. 2016. Escrito por mim em co-autoria com Renata Nascimento Gomes e Luana Cristina de Faria Rosa.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. 2. A experiência vivida. Trad. de Sérgio Milliet. 1.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
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