O que faz nos seus tempos livres? Trabalho invisível e não remunerado.

A mulher trabalha a tempo inteiro – cerca de 8h35m por dia – chega a casa, e de imediato assume funções na segunda jornada laboral como sócia-fundadora e Directora Geral da empresa Família & Lar. A este seu segundo ofício dedica mais 6h12m, reservando 3h06m para prestar cuidados a crianças ou outros membros da família e 3h06m em tarefas domésticas. O seu sócio, homem de barba rija, igualmente fundador, trabalha também a tempo inteiro – cerca de 9h02m – mas, no que diz respeito à Família & Lar, que os dois fundaram, dedica-lhe apenas 4h08m, sendo que 1h54m destina-se às tarefas domésticas e 2h14m à prestação de cuidados a crianças ou outros membros familiares. Fazendo contas, o homem dedica menos 2h04m a este projecto que ambos construíram e ainda escolhe as tarefas: faz compras, paga contas, resolve questões de seguros e faz reparações domésticas, enquanto a mulher limpa a casa, prepara refeições, cuida da roupa e assegura o bem-estar de todas as crianças, principalmente nos primeiros meses de vida. É natural, não é? Afinal, ela é que é a Directora Geral e principal responsável pela produção do trabalho doméstico, apesar de nunca ninguém lhe ter perguntado se ambicionava esse cargo, que conseguiu única e simplesmente porque nasceu mulher, e que a obriga a trabalhar (somando as horas dos seus dois trabalhos), por dia, mais 1h13m do que os homens e a não ter tempo para fazer as coisas que realmente gosta, como ler um bom livro, ver um belo de um filme ou simplesmente ficar de papo para o ar. [1, 2 ]

O direito à igualdade entre homens e mulheres, que tantas organizações nacionais e internacionais já defendem é, mais uma vez, alienado. A igualdade no espaço público só é possível com a igualdade no espaço privado. Basta pensar que o trabalho de âmbito público é remunerado e o trabalho de âmbito privado não o é, pelo que a discrepância na distribuição de trabalho a que se faz referência, condiciona oportunidades, rendimentos e poderes. Então, porque é que é que as mulheres não fazem como os homens? Porque é que quando tiveram acesso ao mercado de trabalho não abandonaram as tarefas domésticas? Porque só as privilegiadas o podem fazer. E, quando essas o fazem, têm que pagar a outras mulheres para que estas façam todas as tarefas que deixaram por fazer, porque têm que ser feitas. Mulheres que assumem o cargo de empregadas domésticas na Família & Lar das outras e outros e quando chegam às suas casas, têm uma média de 6 horas no cargo de Directora Geral e principal responsável pela produção do trabalho doméstico para cumprir na sua própria Família & Lar, cargo que afinal, lhes é “natural e inato”. Uma roda gigante que apanha sempre mulheres, por muito que elas queiram resistir. Na realidade, esta sociedade patriarcal capitalista, por um lado, pouco ou nada fez e/ou faz para educar os homens, retirando do seu vocabulário a palavra “ajudar” sempre que o assunto é trabalho doméstico, substituindo-a por “divisão de tarefas”; por outro, nunca se esforçou para dar visibilidade ao trabalho doméstico, que não se inserindo na economia de produção, faz parte de uma “economia do cuidado” que, no fundo, é a peça imprescindível da economia de produção. Confusas e confusos? Não têm que estar, pensem: como poderiam ir para o mundo do trabalho produzir os bens e serviços que tanta falta fazem ao capitalismo, se não houvesse alguém que tratasse da vossa roupa, da vossa alimentação, da limpeza do lugar onde descansam e acima de tudo, da educação, saúde e segurança dos vossos filhos? Seria muito difícil, para não dizer impossível, por isso é que se defende a necessidade premente de atribuir um valor económico ao trabalho doméstico que conste nos cálculos do PIB, que além do mais, é a única forma de garantir dados estatísticos reais da economia de um país. Falar em direitos das trabalhadoras domésticas é quimérico: como este trabalho é invisível, finge-se que não existe ou que não é trabalho, mas sim actividades recreativas e prazerosas que todas as mulheres fazem sem lhes custar nada, o que é excelente e dá imenso jeito, porque assim vai-se adiando a discussão dos direitos laborais, tais como protecção na doença e acidentes de trabalho e contagem do tempo para efeitos de reforma. [3, 4]

Sair para a rua para reivindicar todos estes direitos e uma remuneração justa para, pelo menos, aquelas mulheres que apenas trabalham nas suas próprias casas e por isso se encontram dependentes dos companheiros, vai levar mais uma vez a que sejamos apelidadas de “loucas”, “exageradas”, “radicais” e “desequilibradas que nunca se encontram satisfeitas e que só estão bem a fazer exigências para chamar a atenção”. Já estamos habituadas! Foi assim com todos os outros direitos conquistados até aos dias de hoje. Nunca nada nos foi dado de bandeja, nem sequer uma maçã nos Jardins do Éden.

[1] Nota: Os dados sobre o número de horas dedicados ao trabalho referem-se a Portugal.

[2] http://www.cesis.org/admin/modulo_projects/upload/files/inut_livro.pdf

[3] http://mercedesdalessandro.com/noesamor/

[4]http://www.cesis.org/admin/modulo_projects/upload/files/conferencia_final_do_projeto_inut-conclusoes_recomendacoes.pdf

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